Quando entramos num edifício novo, raramente pensamos que ele tem uma história. Dá a impressão de que aquela estrutura gigantesca levantou-se sozinha, de súbito, pronta para ser ocupada. Mas aquele bloco de tijolos, areia e cimento ergueu-se aos poucos, ao longo de muitos meses. Ali conviveram os construtores, que contaram a si mesmos as mais incríveis lorotas, tropeçaram, bateram-se, machucaram-se, proporcionaram-se a gentileza de alcançar um copo d’água, um sanduíche, passaram dias sufocantes sob o sol e o frio. Desde a escolha do terreno, passando pela elaboração da planta, a implantação dos alicerces, a elevação das paredes e os acabamentos, os engenheiros e pedreiros fizeram a história desse edifício, num rumoroso volume de vozes, movendo máquinas, ferramentas, deslocando para lá e para cá os materiais de construção. Mas agora o edifício está quieto, parece que emergiu pronto das profundezas da terra.
Se quiser contar a história dessa construção, você pode buscar os documentos da compra do terreno, analisar a planta e todos os papéis fornecidos pelas instâncias legais. Também poderá entrevistar aqueles que trabalharam diretamente na edificação. Se o prédio for antigo, no entanto, você terá de ouvir os descendentes dos construtores. E a história nunca será completa. Depois de passados alguns anos, poucos saberão dizer como foi, exatamente, que esse grande monolito elevou-se do chão para tornar-se abrigo de famílias, lojas ou escritórios.
Na construção de uma cidade, o processo é basicamente o mesmo. Inúmeras pessoas se unem para formar uma longa e complexa teia de relacionamentos, através da qual é gerada a história. Mas quando você vê a sua cidade crescida, provida das mais diversas instituições e empresas, tem a impressão de que ela nasceu assim, pronta, com suas casas, ruas e edifícios. Poucos tentam reencontrar as vozes antigas, que determinaram a construção desta escola, daquela igreja, daquele supermercado. Mesmo assim, as decisões passadas encontram-se impregnadas na estrutura da cidade, como o suor dos pedreiros permanecerá para sempre misturado ao cimento dos edifícios que ele construiu com o seu sacrifício.
Um município sem história é como uma ilha flutuante, que navega ao sabor das correntes sem poder determinar seu próprio rumo. Quando escrevemos essa história, estamos tentando reencontrar os alicerces, aquela força ancestral que, décadas atrás, arregaçou as mangas e se pôs a compor as bases desta cidade. Estamos devolvendo a voz àqueles que batalharam para que pudéssemos desfrutar o conforto que temos hoje.