Quando dei aulas no Ginásio Alberto de Carvalho, um pequeno grupo de
alunos passou a me visitar com assiduidade. Eles queriam saber coisas
extra-escola, então conversávamos sobre tudo, desde viagens à Lua, os movimentos
artísticos, os filmes, o rock, as garotas. Por falta do que fazer eu tocava
violão, eles ensaiavam um ou outro verso, um tanto tímidos. Depois eu lhes dava
pincéis e tintas, com o que desenhavam e pintavam as paredes do quarto. Ao
final daquele período letivo meu quartinho estava coberto com as mais bizarras
figuras feitas pela piazada.
Você pode pensar: em que um professor contribui deixando um aluno sujar
as paredes do seu quarto? Mas o que importa aqui não é o ato em si, e sim o
significado: o aluno entra no mundo do professor, está no seu nível, desenhando
suas paredes. A conversa não tem hierarquia, pergunta-se à vontade, até mesmo
aquelas questões jamais levantadas em sala de aula, como relacionamentos
familiares, namoro e dúvidas de toda espécie. A hipocrisia social não permite
que esses temas sejam debatidos na escola, mas nem por isso tais perguntas
deixam de incomodar os adolescentes. Se não houver um adulto para responder,
eles colherão suas respostas junto aos próprios colegas. E assim vão refinando
seus conceitos, até se tornarem preconceitos, que depois acabam sendo
utilizados para magoar uns aos outros.
Alguns anos depois, quando fui dar aulas de redação numa escola
particular, a minha primeira constatação foi a de que eu não sabia o que dizer
àqueles alunos. Fazia muito tempo não entrava numa sala de aula. Como nunca fui
de planejar o conteúdo das minhas aulas, vi-me com as mãos vazias. Um jogador
de futebol que passou anos fora dos gramados sabe o que é isso: quando vem a
bola, ele não sabe o que fazer com ela. Leva algum tempo para se sentir à
vontade e experimentar uns dribles.
Professores que seguem uma cartilha e dão sempre a mesma aula, têm uma
certa facilidade no trabalho diário com os alunos. O problema é que não mudam
nada e nada de novo acontece. Isso significa que passam pela vida dos alunos
sem alterar coisa alguma. É como se não houvessem existido. Quem se propõe a
dar aulas criativas enfrenta um desafio diário: o que farei hoje a fim de que este dia se torne inesquecível para os meus alunos?
É claro que nem mesmo o mais criativo dos professores conseguirá produzir aulas
inesquecíveis todos os dias, mas se ele estiver empenhado nisso certamente
emplacará algumas, e sua passagem pela vida dos estudantes terá um significado
especial. Alguma coisa nova aconteceu, algo se transformou na vida dos garotos,
mesmo que eles não tenham percebido imediatamente.
Naquela primeira aula de redação olhei a turma, com cerca de vinte
alunos, e me dirigi a eles com uma frase que ainda estava formulando em minha mente.
“Vamos começar com uma entrevista”, falei. “Quero que vocês juntem as carteiras
em grupos de dois”. Logo que eles fizeram esse arranjo dirigi-me aos alunos mais próximos. "Vocês dois, por exemplo. Você é o Charles Bronson e você é um repórter do New
York Times. Você faz de conta que é o famoso ator de Hollywood e você vai
fazer a ele todas as perguntas que lhe vier à cabeça. No final, quero que você
apresente o texto ao Charles Bronson para que ele possa conferir e verificar se os
dados estão corretos. Mas não esqueça, sua entrevista será publicada num grande
jornal, portanto, capriche. Entenderam como funciona? Agora quero que todos vocês
façam como falei. Escolham quem será o entrevistador e quem será o
entrevistado. Pode ser um cientista, um atleta, um político. Ou mesmo um
cidadão comum, que pode ser um lenhador, um dentista, um vereador”.
No primeiro momento os alunos ficaram aturdidos e sem iniciativa. Mas
como acontece nessas ocasiões de impacto, logo a poeira abaixou e eles começaram
a trabalhar. Foram tirados do seu sossego e convidados a produzir uma coisa
sua, com suas palavras, suas interpretações. É difícil! Mas inesquecível. De
repente eles descobrem que podem criar, fantasiar, tirar os pés do chão e
viajar a um mundo desconhecido dentro deles.
Eu não poderia esperar que produzissem grandes entrevistas naquele
primeiro momento. Mas o burburinho que se instalou na sala significava que
estavam empenhados em cumprir a tarefa.
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