segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

SE QUEREM LIBERDADE, DERRUBEM O DITADOR!

Peço licença aos machos de plantão para fazer algumas considerações sobre o feminismo.
Tenho visto muitos homens criticando e/ou ironizando as feministas, e isso tem um motivo milenar: eles querem continuar no comando. Batendo nelas sempre que ficam nervozinhos, usufruindo de seus serviços, exibindo-as para os amigos, usando os mimos femininos para abastecer seu orgulho. Por outro lado, tenho visto um igual número de mulheres criticando/ironizando o feminismo. Preferem continuar subjugadas. Tudo bem, é problema delas. Mas não podem exigir que todas as mulheres sejam objetos de adorno, de trabalho e de sexo de seus machos. 
As feministas, por seu turno, dividem-se em várias facções. Há aquelas que gostariam de exterminar os homens, e após o advento da clonagem já vêem próximo a realização deste sonho. Odeiam os homens porque foram mal-amadas por eles, ou porque nunca conseguiram se aproximar de um deles, e baseiam esse sentimento nas más notícias sobre o nosso gênero. Essas mulheres foram traumatizadas em algum momento da vida, ou já nasceram azedas. Elas obterão a cura, mas antes terão de admitir que estão doentes. Sim, pois não há saúde em pessoas que desejam o extermínio de outras. Isso sempre será uma doença! 
Mas há também as feministas que gostam de si mesmas, tanto quanto gostam dos homens. Lutam com todas as suas energias para estabelecer uma harmonia entre os gêneros, e têm sofrido um bocado nesse processo. Porque a maioria dos machos não quer harmonia alguma. Eles querem mostrar que são fortes, espertos, belos, indomáveis, ousados, livres e mais uma porção de coisas que cabem numa caixinha de fósforos — dessas coisas que podem ser queimadas e jogadas no lixo sem causar muitos traumas à natureza. Raros são os homens/machos capazes de olhar uma mulher e ver nela uma sua igual. Não nas formas, não no comportamento, não nos desejos, não nos sonhos, mas sim nos direitos. As mulheres feministas de mentes livres estão atrás desses homens que superaram o menino babão que passa a vida tentando mostrar o quanto é forte, esperto, belo, indomável, ousado e livre! Mas essas mulheres, para o azar delas e de toda a humanidade, são desunidas, e muitas vezes obedecem ao comando primitivo de competir entre si, e também de mostrar às suas amigas o quanto são fortes, espertas, belas, etc. Ocorre que o feminismo está em fase de pupa, ainda. Apesar de alguns machistas — homens e mulheres — afirmarem que o feminismo alcançou seu auge décadas atrás, percebo que as borboletas ainda não deixaram o casulo. Nós ainda não vimos as mulheres verdadeiramente livres, feito um bando de belíssimas monarcas, sobrevoando nossas cidades e reconfigurando as nossas praças. Elas ainda temem o sistema machista e ditatorial que vigora mesmo nos meios mais “democráticos” deste grande palco de mentiras. 
Muitas acreditam que obtêm a almejada liberdade posando nuas. Mal percebem que estão somente fazendo o jogo perverso dos machos, que sempre sonharam despir um grande número de mulheres para seu próprio regalo. Com isso não quero dizer que as mulheres não possam ou não devam se despir e se mostrar. Mas o que tenho visto é mais algema que bandeira desfraldada.
Se quiserem rasgar as últimas sedas do casulo opressivo, as feministas do segundo grupo — as que gostam de homens e que admitem — devem partir para um confronto massivo, mesmo que venha a se tornar turbulento. Que se quebrem os ovos e que se faça de vez esse omelete, oras! Você não consegue liberdade dando agrados ao guarda da sua prisão. Muito menos mandando recados ao diretor. Quem quer liberdade precisa derrubar o ditador. Não há possibilidade de acordo, pois o ditador estará confortável em seu trono enquanto não for derrubado. É realmente isso que estou dizendo: as feministas precisam derrotar os machos, levá-los ao chão, fazê-los comer poeira suja, a mesma que os machos fizeram as mulheres comer pelos séculos dos séculos. Só então haverá uma chance de que esse grande contingente de orgulhosos abaixe o nariz e admita, de uma vez por todas, que homem e mulher são elementos indivisíveis de uma coisa só: a pessoa humana.
Mas como? Como vocês farão para derrubar o grande ditador? 
Há centenas de métodos já testados por mulheres fortes, que conseguiram “conquistar” seus homens depois de levá-los ao chão e fazê-los comer poeira suja. Sim, pois você somente terá um homem de verdade depois de vencê-lo, usando sua criatividade ou copiando de outras que obtiveram sucesso. Talvez esteja na hora das mulheres conversarem mais sobre isso e menos sobre o que os homens prevêem como sendo o certo para elas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

AULAS CRIADAS

Quando dei aulas no Ginásio Alberto de Carvalho, um pequeno grupo de alunos passou a me visitar com assiduidade. Eles queriam saber coisas extra-escola, então conversávamos sobre tudo, desde viagens à Lua, os movimentos artísticos, os filmes, o rock, as garotas. Por falta do que fazer eu tocava violão, eles ensaiavam um ou outro verso, um tanto tímidos. Depois eu lhes dava pincéis e tintas, com o que desenhavam e pintavam as paredes do quarto. Ao final daquele período letivo meu quartinho estava coberto com as mais bizarras figuras feitas pela piazada.
Você pode pensar: em que um professor contribui deixando um aluno sujar as paredes do seu quarto? Mas o que importa aqui não é o ato em si, e sim o significado: o aluno entra no mundo do professor, está no seu nível, desenhando suas paredes. A conversa não tem hierarquia, pergunta-se à vontade, até mesmo aquelas questões jamais levantadas em sala de aula, como relacionamentos familiares, namoro e dúvidas de toda espécie. A hipocrisia social não permite que esses temas sejam debatidos na escola, mas nem por isso tais perguntas deixam de incomodar os adolescentes. Se não houver um adulto para responder, eles colherão suas respostas junto aos próprios colegas. E assim vão refinando seus conceitos, até se tornarem preconceitos, que depois acabam sendo utilizados para magoar uns aos outros.
Alguns anos depois, quando fui dar aulas de redação numa escola particular, a minha primeira constatação foi a de que eu não sabia o que dizer àqueles alunos. Fazia muito tempo não entrava numa sala de aula. Como nunca fui de planejar o conteúdo das minhas aulas, vi-me com as mãos vazias. Um jogador de futebol que passou anos fora dos gramados sabe o que é isso: quando vem a bola, ele não sabe o que fazer com ela. Leva algum tempo para se sentir à vontade e experimentar uns dribles.
Professores que seguem uma cartilha e dão sempre a mesma aula, têm uma certa facilidade no trabalho diário com os alunos. O problema é que não mudam nada e nada de novo acontece. Isso significa que passam pela vida dos alunos sem alterar coisa alguma. É como se não houvessem existido. Quem se propõe a dar aulas criativas enfrenta um desafio diário: o que farei hoje a fim de que este dia se torne inesquecível para os meus alunos? É claro que nem mesmo o mais criativo dos professores conseguirá produzir aulas inesquecíveis todos os dias, mas se ele estiver empenhado nisso certamente emplacará algumas, e sua passagem pela vida dos estudantes terá um significado especial. Alguma coisa nova aconteceu, algo se transformou na vida dos garotos, mesmo que eles não tenham percebido imediatamente.
Naquela primeira aula de redação olhei a turma, com cerca de vinte alunos, e me dirigi a eles com uma frase que ainda estava formulando em minha mente. “Vamos começar com uma entrevista”, falei. “Quero que vocês juntem as carteiras em grupos de dois”. Logo que eles fizeram esse arranjo dirigi-me aos alunos mais próximos. "Vocês dois, por exemplo. Você é o Charles Bronson e você é um repórter do New York Times. Você faz de conta que é o famoso ator de Hollywood e você vai fazer a ele todas as perguntas que lhe vier à cabeça. No final, quero que você apresente o texto ao Charles Bronson para que ele possa conferir e verificar se os dados estão corretos. Mas não esqueça, sua entrevista será publicada num grande jornal, portanto, capriche. Entenderam como funciona? Agora quero que todos vocês façam como falei. Escolham quem será o entrevistador e quem será o entrevistado. Pode ser um cientista, um atleta, um político. Ou mesmo um cidadão comum, que pode ser um lenhador, um dentista, um vereador”.
No primeiro momento os alunos ficaram aturdidos e sem iniciativa. Mas como acontece nessas ocasiões de impacto, logo a poeira abaixou e eles começaram a trabalhar. Foram tirados do seu sossego e convidados a produzir uma coisa sua, com suas palavras, suas interpretações. É difícil! Mas inesquecível. De repente eles descobrem que podem criar, fantasiar, tirar os pés do chão e viajar a um mundo desconhecido dentro deles.
Eu não poderia esperar que produzissem grandes entrevistas naquele primeiro momento. Mas o burburinho que se instalou na sala significava que estavam empenhados em cumprir a tarefa.