Documento encaminhado ao presidente do Instituto Ambiental do Paraná, neste dia 20 de agosto de 2012, e que deverá ser transformado numa Ação Civil Pública contra a degradação das Cachoeiras Gigantes de Prudentópolis-PR.
Por que não devemos construir
PCHs em Prudentópolis
Ainda que a
geração hidrelétrica seja sustentável, algumas regiões atingidas para que ela
fosse gerada tiveram, em lugar de desenvolvimento, retrocesso insustentável. (Müller, 1995, citado no
EIA-RIMA Dois Saltos)
Projetos de implantação de Pequenas Centrais Hidrelétricas
(PCHs) no município de Prudentópolis-PR vêm sendo mencionados em reuniões
públicas, desde 2011. A de maior impacto, respectiva ao projeto Dois Saltos,
pretendida pelas empresas Copel e Santa Clara, numa área que abrange os saltos
Manduri e Visconde do Rio Banco, requer uma ampla discussão na esfera pública,
antes que seja autorizada sua implantação. Infelizmente, isso não vem sendo
feito. As explanações técnicas apresentadas até o momento são parciais e a
divulgação é deficiente. A população de Prudentópolis continua sem saber,
exatamente, do que se trata.
O projeto Dois Saltos prevê a construção de um túnel e de
uma usina no leito e no entorno do Rio dos Patos. Conforme o próprio EIA-RIMA
do projeto, “as obras hidrelétricas (...) produzem grandes impactos sobre o
meio ambiente, que são verificados ao longo e além do tempo de vida do
empreendimento e do projeto, bem como ao longo do espaço físico envolvido”.
Somente este fato deveria ser suficiente para tomarmos os mais extremos
cuidados, ao atentar contra o patrimônio natural de Prudentópolis. Mas há
questões igualmente importantes, que devem ser analisadas à luz da sabedoria,
antes que da insana sede por energia e por faturamento monetário.
Neste documento demonstramos que o projeto apresenta uma
série de deficiências e inconformidades, tanto em relação às normas, quanto ao
valor técnico do Estudo de Impacto Ambiental - EIA. A argumentação também
baseia-se no fato de que as questões ambientais não estão dissociadas de outros
temas de interesse público, como a economia, representada pelo nascente turismo
no município, com consequentes repercussões na área social. Evidencia-se que a
obra trará prejuízos a esses diversos setores.
Nas páginas seguintes listamos os pontos conflitantes
contidos no EIA, com fins de contestação de seu valor documental e de indicação
para a não aprovação do licenciamento ambiental do empreendimento Dois Saltos.
A argumentação abrange os seguintes tópicos:
1 – O Estudo de Impacto Ambiental apresenta falhas de
concepção e estrutura.
2 – Projetos de usinas nos rios de Prudentópolis
pressupõem a execução de estudos científicos profundos sobre as singularidades
do município no cenário paranaense.
3 – As questões ambientais não podem ser dissociadas de
outros temas, visto que estes representam um conjunto complexo de
potencialidades e carências.
4 – A beleza maior das cachoeiras esconde-se sob um
histórico de degradação cênica.
5 – Falta informações à população do município.
6 – É evidente o baixo retorno econômico para o município
e sua população.
7 – O impacto ambiental trará repercussões negativas no
turismo do município.
8 – A região abrangida pelo projeto é habitat de felinos
de grande porte.
9 – As restrições na produção agrícola das áreas afetadas
pelo projeto Dois Saltos trarão prejuízos ao município.
1 – O Estudo de
Impacto Ambiental apresenta falhas de concepção e estrutura
A falta de aprofundamento apresentado pelo EIA-RIMA do
projeto Dois Saltos evidencia-se desde o início, quando se refere ao Salto
Barão do Rio Branco. Como veremos em seguida, o verdadeiro nome é Salto Visconde
do Rio Branco, nomeado por Alfredo d’Escragnole Taunay, o Visconde de Taunay,
presidente da Província do Paraná, no final do século XIX. Citamos o fato
somente para destacar a qualidade do estudo, que aponta para outras questões,
sendo estas realmente graves.
Das normas que regem o processo de licenciamento de
atividades modificadoras do meio ambiente, consta a Resolução do CONAMA nº 1,
de 23 de janeiro de 1986, que dispõe sobre os critérios para a avaliação de
impacto ambiental, exigindo em seu artigo nº 2 a elaboração do EIA. No artigo
5º, Inciso I, consta que o estudo deve “contemplar todas as alternativas
tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não
execução”, e insiste no fato de que deve ocorrer “a caracterização da qualidade
ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações de
adoção do projeto e suas alternativas, bem como a hipótese de sua não
realização”. Entretanto, em nenhum momento a hipótese de não execução foi
mencionada no EIA do projeto Dois Saltos. Pelo contrário, o texto busca
insinuar que a execução da obra é certa e irreversível. E mais, tenta
desqualificar as alternativas tecnológicas menos impactantes para a geração de
energia, como a solar e a biodigestão de resíduos, alegando que não se aplicam
à discussão. A energia eólica foi considerada fora do contexto em discussão .
O estudo deveria apontar o fato de que Prudentópolis
produz um grande volume de resíduos, oriundos da atividade pecuária, e que não
são devidamente tratados. O lixo orgânico coletado na cidade é encaminhado para
um “lixão”, quando poderia ser conduzido a um biodigestor. A própria Copel
possui projetos de reaproveitamento de resíduos como esses, em parceria com
produtores rurais de suínos e bovinos. Além de proporcionar a captação de
energia e retorno econômico, o resíduo da pecuária e o lixo urbano podem
resultar em excedentes que são reaproveitados como fertilizantes de solo,
auxiliando na resolução da poluição ambiental. Como vemos, o município possui
alternativas — ambientalmente corretas —às PCHs, mas isso não é citado no
EIA-RIMA. Considerando a carência energética regional, poderia mencionar as
energias solar e eólica, que podem bem ser produzidas inclusive em locais
restritos, como as propriedades rurais.
O estudo foi apressado e não minucioso. Furtou-se, por
exemplo, de realizar uma análise minuciosa das espécies indicadoras de
qualidade ambiental e das ameaçadas de extinção. O tempo de pesquisa sobre
fauna e flora absurdamente curto — 4 dias para a flora; 3 para mamíferos; 3
para aves; 2 para répteis e anfíbios e nenhum para peixes e invertebrados — o
que demonstra a pressa em fazer aprovar o projeto. Tal fato fica demonstrado na
não detecção, pelo EIA, de um bivalve límnico muito comum em todo o leito do
Rio dos Patos, conhecido popularmente como “conchinha de rio”, (provavelmente família Hyriidae). Espécies como essa
são indicadoras de qualidade ambiental e são seriamente ameaçadas pela
destruição e modificação da dinâmica hídrica (lótica e lêntica), causadas pela
instalação de barragens, canalização e alteração na profundidade da água, no
fluxo ou na deposição de partículas. O Livro
Vermelho das espécies ameaçadas do
Paraná classifica todos os bivalves dulcícolas como ameaçados, devido
justamente às barragens e aos desvios de vazão.
É de se estranhar que o Estudo de Impacto Ambiental dê tão
pouca importância à biodiversidade ora presente no local. E é sinistro o fato
de que, num empreendimento cujo maior impacto se dará sobre o ambiente
aquático, os dados sobre invertebrados aquáticos simplesmente não existam, e os
dados sobre peixes sejam baseados somente em bibliografia.
Dentre as espécies levantadas, nota-se a inacreditável
inexistência de espécies comumente encontradas na região, e que
coincidentemente encontram-se ameaçadas de extinção, como a paca e alguns
felinos. Também há algumas espécies listadas como não ameaçadas, quando na verdade
constam nos estudos científicos como ameaçadas, como a lontra e o morcego chropterus auritus — este classificado
pelo EIA como LC, porém ele consta no Livro Vermelho como VU. No caso da
lontra, a modificação do ambiente aquático irá impactá-la diretamente.
Em relação a certo grupo de animais, o EIA admite que a
pesquisa baseou-se em “literatura e distribuição geográfica potencial, segundo
análise museológica”. O estudo também afirma que “o último registro de felino é
do início da década passada”. No entanto, relatos atuais de moradores (ver nas
páginas a seguir) atestam que felinos de médio e grande porte são muito
presentes na região. Ao referir-se à jaguatirica, por exemplo, o EIA tenta
indicar que os exemplares existentes são “remanescentes de populações que
ocupavam a região anteriormente”, com o expresso objetivo de desqualificar o
animal como habitante legítimo da área na atualidade.
Um dos principais impactos recai sobre o fitoplâncton, com
a diminuição da diversidade das espécies. Como se trata da base da cadeia
alimentar, irá causar alterações em toda a pirâmide, alterando o equilíbrio
ecológico local. Pouca análise se faz nesse quesito e procurou-se classificar o
impacto como de menor importância.
O EIA Dois Saltos também informa que “os impactos mais
relevantes da instalação de uma pequena central hidrelétrica no local proposto
sobre a avifauna estarão relacionados à supressão da vegetação ciliar na área
prevista para as estruturas do empreendimento. A formação florestal
remanescente mais importante para a avifauna local coincide com a área prevista
para a supressão”, onde ficará o lago de regularização. Isto significa que a
área mais rica para a vivência e procriação das aves na região será tomada
pelas obras da usina.
O estudo demonstra que o túnel sugerido no projeto “irá
atravessar rochas de naturezas diferentes separadas por contatos geológicos não
conformes (...)” e que as obras poderão “causar instabilidades nos maciços
rochosos no período inicial da operação”, isto é, as explosões para abertura da
vala onde será construído o túnel poderão produzir abalos sísmicos que
impactarão a estrutura do terreno no entorno. O relatório comenta o que “seria”
necessário fazer para evitar os danos, mas não afirma que tais ações serão
levadas a termo. Na última audiência pública respectiva ao projeto Dois Saltos
os técnicos informaram que a abertura do canal e do túnel, seria realizada por
máquinas perfuratrizes e não por explosivos.
Ressalta-se o fato de que a obra pretendida pelo projeto
Dois Saltos não objetiva a implantação de uma estrutura visando a elevação
econômica e social da comunidade, porém tão somente o faturamento monetário das
empresas envolvidas, com o ônus da biodiversidade e da qualidade de vida do
município. Ora, se fosse o contrário, o estudo daria grande ênfase à
possibilidade de “não execução”, considerando-se que esta poderia ser a opção
mais desejável. Obviamente empreendimentos ambientalmente corretos, como os
citados para a captação de energia, trariam lucratividade bem menor às empresas
envolvidas, porém o ganho social, ambiental e econômico da comunidade seria
mais desejável do que a justificativa apresentada na página 511 do EIA
(“Aumento de Receitas Públicas”).
No que concerne às cachoeiras Manduri e Visconde do Rio
Branco, objetos do projeto Dois Saltos, o EIA não apresenta um estudo
aprofundado sobre suas características naturais, que foram drasticamente
afetadas pelas usinas já instaladas.
Grande parte do texto do EIA parece ter sido copiado de
outros projetos, o que evidencia a pouca iniciativa de pesquisa das
características naturais e culturais da área pretendida e do seu entorno. Não
há referências, por exemplo, às estatísticas de vazão d’água a longo prazo, o
que seria absolutamente necessário na fixação de metas a serem cumpridas pelo
projeto quando implantado, no que se refere à vazão mínima prevista pela Lei.
Um estudo mais elaborado certamente mostraria que a vazão dos rios de
Prudentópolis diminuiu drasticamente nas últimas décadas, em função do
acelerado desmatamento da região. Muitas fontes desapareceram, riachos secaram.
Tal realidade aponta para a iniciativa de recuperação das nascentes, dos
riachos e dos rios, o que traria de volta grande parte do ambiente natural, e
também devolveria às cachoeiras a sua média de vazão inicial. Entretanto, se
avaliarmos a vazão sob as estatísticas dos últimos dez anos, obrigatoriamente
obteremos uma vazão mínima muito menor que a média histórica, quando os rios de
Prudentópolis escoavam suas águas com plena capacidade. Ao afirmar que manterão
a vazão mínima das cachoeiras, no entanto, as empresas proponentes não apontam
um demonstrativo da vazão histórica (ao longo de várias décadas), e sim a dos
últimos anos, o que significa uma porcentagem muito maior de água escoando para
as tubulações da usina do que seria num cenário natural recuperado. Somando-se
a isso, os técnicos das empresas afirmaram em reunião pública que o escoamento
da água no Salto Manduri seria “readequado”, a fim de que a água se espalhasse,
caindo de forma regular e abrangendo todo o paredão rochoso, mantendo assim o
visual de uma cachoeira com água. O projeto idealiza “compensar o impacto
referente à alteração do cenário paisagístico” modificando a “estrutura da
barragem existente com o intuito de distribuir o volume de água vertido sobre
toda a largura da cachoeira”. Com isso, fica evidente o objetivo de fazer parecer que está caindo água, segundo
manifestou um cidadão prudentopolitano durante uma das reuniões públicas.
Os representantes daquelas empresas afirmam que a vazão
das cachoeiras não diminuirá, em outros momentos dizem que até mesmo aumentará.
Porém, o EIA respectivo contradiz aquele discurso.
As afirmações a seguir, contidas no EIA, causam
estranheza, se comparadas com o discurso dos representantes das empresas
proponentes, quando afirmaram nas reuniões públicas a ocorrência de baixo
impacto ambiental: “Com a implantação do Empreendimento Dois Saltos, observa-se
que haverá diminuição significativa na magnitude das vazões (...) em cerca de
40% do tempo sobre o Salto Manduri, e em cerca de 60% do tempo sobre o Salto
Barão do Rio Branco, gerando um impacto negativo. (...) Com o aumento do
período de ocorrência de valores baixos de vazão após a implantação do
empreendimento Dois Saltos, o impacto aqui analisado toma uma dimensão
diferenciada, visto que um dos pontos de valorização do Recanto Rickli é a
contemplação do Salto Manduri. (...) O impacto da alteração do cenário
paisagístico em determinados períodos no trecho de vazão reduzida ocorrerá na
fase de operação, sendo de natureza negativa, com manifestação direta. A
probabilidade de ocorrência é certa. (...) A magnitude e a importância do
impacto são altas, sendo um impacto irreversível. (...) Esse efeito se
intensifica em fragmentos pequenos e isolados e pode em algumas vezes ser
irreversível e acabar por condenar todo o remanescente”.
Acrescente-se que o EIA, e também os técnicos durante as
Audiências públicas, buscaram demonstrar que não haverá novo represamento.
Segundo o EIA, o projeto não prevê “um represamento do Rio dos Patos além
daquele já existente e que será simplesmente aproveitado”. Porém, o lago de
regularização, apontado no projeto, o que é, senão uma represa? Sem contar o
fato de que na área destinada ao lago encontra-se a porção de floresta
ombrófila mista em melhor estado de conservação, que nesse espaço será
definitivamente extraída.
Percebe-se que as contradições são extensas e profundas.
Não se pode falar em “medidas mitigatórias’, portanto, se não há estudo
elaborado e objetivo, através do qual possamos saber o que Prudentópolis, sua
população e os visitantes de todo o mundo estão prestes a perder.
Um promotor de Justiça de Maringá, que acompanha as
reuniões públicas respectivas às PCHs, apontou todos os problemas que seriam criados
pelo projeto Dois Saltos. Ao demonstrar os prejuízos ambientais, diretamente no
rio e no seu entorno, o promotor concluiu: “Todos os benefícios serão
temporários, e todos os problemas serão permanentes”. Os representantes das
empresas interessadas na construção da usina não apresentaram nenhum argumento
contra as palavras do promotor, deixando bem claro que a verdade estava na voz
daquele funcionário da Justiça, não na dos proponentes.
Por outro lado, as medidas mitigatórias sugeridas no EIA
não encontram correspondência no histórico de atuação das duas empresas
proponentes, no decorrer das últimas décadas, junto às represas das quais
extraem energia ou em qualquer local do município de Prudentópolis. Não houve
uma única ação dessas empresas que possa justificar o empenho futuro no
cumprimento das promessas que agora apresentam — ao propor a realização de um
projeto mais lucrativo do que a soma dos já instalados. A Copel elevou a
represa do Salto Manduri sem consulta pública. E a Santa Clara mantém uma estrutura
muito precária junto ao Salto Visconde do Rio Branco, embora o local seja
visitado há décadas pelo público.
Sabe-se que as PCHs instaladas no Rio dos Patos não
cumprem vazão sanitária, tampouco se tem notícias sobre a gestão ambiental das
mesmas. Como o projeto Dois Saltos trata-se somente da ampliação dos projetos
já instalados, é de se perguntar se os programas mitigatórios prometidos serão
cumpridos.
O Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/01) prevê a
preservação e recuperação do ambiente natural, do patrimônio cultural,
histórico, artístico, paisagístico e arqueológico. Ora, as cachoeiras de
Prudentópolis são seu patrimônio natural mais aparente e mais divulgado. São o cartão de visita do município e o
principal motivo de sua divulgação em mídias de alcance nacional. E a Lei
Orgânica municipal, em seu Artigo 230, prevê que “O Município assegurará a
preservação das matas ciliares dos mananciais de água”. O projeto de instalação
de novas usinas nessas cachoeiras, portanto, vem no sentido inverso das
determinações legais, na forma de um verdadeiro atentado contra essas riquezas
municipais.
Acrescente-se que o artigo 57 do Plano Diretor Municipal –
PDM de Prudentópolis, institui o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança “como
instrumento de análise para subsidiar o licenciamento de empreendimentos (...)
que possam causar impactos ao meio ambiente. Mas não há estudo algum, realizado
pelo Executivo Municipal, relativo ao projeto Dois Saltos, e também não há
referência no EIA sobre a necessidade desse estudo pelo Município.
Esse EIA, que poderia ser utilizado como um documento de
validade científica para posteriores estudos da região, infelizmente fica
invalidado, devido à escassez de trabalhos e levantamentos biológicos,
demandando um estudo mais prolongado e minucioso.
Algumas espécies
ameaçadas de extinção, presentes da área do projeto Dois Saltos
Jaguatirica, gato do mato, onça-pintada ou parda, veado
mateiro, bugio, lontra, gavião pega macaco, grimpeiro, rã de vidro, suçuarana,
paca, jacarandá, araucária, imbuia, canela sassafrás e xaxim-bugio. Na
área almejada pelas proponentes do projeto Dois Saltos também encontram-se
sapos, lagartos, ostras, peixes, borboletas e centenas de outras espécies
animais e vegetais, que terão seu ambiente natural adulterado.
2 – Projetos de
usinas nos rios de Prudentópolis pressupõem a execução de estudos científicos
profundos sobre as singularidades do município no cenário paranaense
A carência de um estudo
científico sobre o município de Prudentópolis tem levado a julgamentos
precipitados e equivocados quanto ao seu potencial turístico e energético. A
tentativa de implantar novas usinas nos rios do município tem evidenciado a
carência de informações de cunho científico, a falta de conhecimento da
população sobre o tema e a má vontade dos proponentes em divulgar os mais
amplos aspectos dessas questões.
Prudentópolis é o berço do Rio
Ivaí, é o começo de uma vasta área que atinge grande parte do Centro e do
Noroeste Paranaense. É imperativo atentarmos para o fato de que este é um
município singularíssimo na estrutura geográfica paranaense, e que por isso
merece cuidados especiais.
A área do município encontra-se
em três patamares: 1 – o da Serra da Esperança, ao nível da cidade de
Guarapuava; 2 – o nível médio, no qual situa-se a cidade de Prudentópolis e
grande parte do território municipal; 3 – o nível baixo, onde se localiza o
Vale do Rio Ivaí. Essa constituição em três níveis e a hidrografia abundante
proporcionaram a formação de dezenas de cachoeiras. Algumas delas precipitam-se
diretamente do nível 1 para o nível 3, como o Salto São Francisco, com 196 m, e
os Saltos Gêmeos, com 120 e 130m. A hidrografia é representada por riachos que
descem desde Guarapuava, Irati e Inácio Martins, somados aos que se formam em terras
de Prudentópolis. Esses riachos se transformam em rios, que concorrem para a
formação do grande Rio Ivaí.
Tal estrutura geográfica, com
suas montanhas, morros, rios, cachoeiras e cavernas, além das características
singulares de fauna e de flora, somam-se a uma estrutura agrária incomum,
representada pelo Sistema Faxinal, que preserva suas próprias áreas florestais
nativas. Prudentópolis tem mais da metade de sua população residente no meio
rural, e suas colônias já foram tema de reportagens em programas de abrangência
nacional, devido à diversidade de suas atividades econômicas e à riqueza de
suas paisagens. Todas essas características somadas impõem a necessidade de um
estudo científico amplo e rigoroso, a ser realizado por universidades, observando
as realidades ambientais, as potencialidades econômicas e as demandas sociais.
Tal estudo é essencial e impositivo, antes que se aprove a implantação de
projetos de novas usinas, que poderão ter caráter definitivo e de grande
prejuízo para a população presente e futura.
3 – As questões
ambientais não podem ser dissociadas de outros temas, visto que estes representam
um conjunto complexo de potencialidades e carências
A vida dos prudentopolitanos sempre esteve associada com a
terra, a floresta, os rios e suas cachoeiras. Desde a grande colonização
Europeia, no final do século XIX, e durante várias décadas, a Natureza
permaneceu praticamente intocada. O governo federal havia feito uma reforma
agrária, adquirindo grandes áreas de antigos proprietários e repassando-as em
forma de pequenos lotes às mais de 8 mil famílias de ucranianos, poloneses e
alemães que se instalaram em torno da pequena Vila de Prudentópolis. Até a
década de 1970 praticava-se a agricultura de subsistência, com baixa degradação
ambiental. Somente a partir da chegada das grandes máquinas agrícolas teve
início o processo de desmatamento e o aumento do latifúndio, com o consequente
êxodo rural. Ainda assim, grande parte da população reside na área agrícola, e
mantém um vínculo intenso e precioso com a natureza circundante.
Nos últimos anos o turismo surgiu como alternativa
econômica, que vem ao encontro dos anseios dos empresários, dos ecologistas,
dos agentes culturais e dos trabalhadores em geral. Nesse contexto, a
manutenção da floresta, a preservação dos rios e de suas cachoeiras, tornou-se
uma necessidade pública, visando atrair visitantes que tragam riquezas aos
habitantes da cidade e do interior.
O processo de conscientização quanto ao potencial
turístico de Prudentópolis tem sido árduo e lento, mas já trouxe resultados
reais. Vários hotéis, pousadas e restaurantes foram construídos nos últimos 15
anos. Formaram-se turmas de guias turísticos e cursos e palestras têm sido
ministrados nas escolas locais com vistas ao conhecimento desse novo setor
econômico. Os jovens estão aprendendo que a coisa mais básica e preciosa, no
ramo turístico, é a preservação do ambiente natural e das tradições culturais.
Preservação do meio ambiente, conservação e divulgação da cultura, crescimento
econômico e equilíbrio social, portanto, são temas que caminham agregados, e
não podem ser, de forma alguma, tratados em separado. Os projetos de instalação
de usinas encontram-se obrigatoriamente nesse mesmo contexto.
4 – A beleza
maior das cachoeiras esconde-se sob um histórico de degradação cênica
O Rio dos Patos possui cachoeiras desde suas nascentes, no
povoado de Itapará, município de Irati-PR. Poucos quilômetros antes de
juntar-se ao Rio São João para formar o Rio Ivaí, este rio caudaloso forma os
saltos Rio dos Patos, Manduri e Visconde do Rio Branco. Estes configuram-se em
verdadeiros espetáculos naturais. O Salto Manduri, com seus 34 metros de altura
e aproximados 100 metros de largura, constitui-se num dos mais atraentes
cenários de visitação do Estado do Paraná. E o Salto Visconde do Rio Branco é
considerado uma das maiores catadupas do Brasil. O conjunto formado por essas
cachoeiras seria de um esplendor ímpar no mapa do Paraná e no Brasil. Mas elas
perderam parte de sua beleza cênica a partir da construção de obras de
concreto, representadas por barragens, usinas hidrelétricas e fábricas de
pasta. O que não significa que estamos autorizados a introduzir novas usinas,
ou outras construções. Pelo contrário, como veremos adiante, o crescente setor
turístico solicita ações em sentido contrário, com o objetivo de propiciar o
retorno ao ambiente natural.
Um paredão de
pedra seca
A represa e a usina do Salto Manduri foram implantadas na
primeira década do século XX, para fornecimento de energia às cidades de
Prudentópolis e Irati. Apesar disso, a extração da água da represa para a usina
era pouca, e a cachoeira permanecia quase sempre com boa vazão. Durante décadas
o “Recanto Rickli”, onde se encontra o Salto Manduri, foi local de intensa
visitação pública.
Há pouco mais de uma década, no entanto, o Salto Manduri
sofreu uma interferência brutal, com a elevação da barragem e o aumento da
captação d’água pela usina. Tal obra foi realizada pela Copel, sem qualquer
informação ao público. Resultou na destruição de grande parte da mata ciliar
tocada pela água represada e no decréscimo significativo da água da cachoeira.
Após essa interferência, bastam poucos dias de estiagem para que o Salto
Manduri se transforme num paredão de pedra seca, com somente um filete d’água
onde deveria haver uma cachoeira de beleza extraordinária. A visitação pública
desse atrativo rareou nos últimos anos, apesar do aumento do número de turistas
no município.
A degradação do
Salto Visconde do Rio Branco
O Salto Visconde do Rio Branco foi nomeado pelo presidente
da província do Paraná, Visconde de Taunay, que esteve no local em 10 de
abril de 1886. Em 1899 ele publicou suas impressões sobre o salto no livro
“Chorographia do Paraná”, do historiador Sebastião Paraná.
Difícil é, por certo, encontrar-se, até mesmo no Brazil, tão pródigo de
formosas e variadíssimas curiosidades naturais, cousa mais bela, mais cheia de
grandeza e selvática magneficencia. Imagine-se copiosíssima e límpida massa
líquida, atirando-se de golpe em precipício de 75 a 80 metros de altura e
pulando uma muralha cortada a pique, cuja linha da aresta superior, toda
crivada de fundas reentrâncias e grandes saliências, imprime as mais
pittorescas e encontradas direções às águas, no momento em que o rio inteiro,
como que preza de fatal desespero, se jorra de um ímpeto no abysmo.
Por isso, os enormes e espumantes caixões ora formam larga e belíssima curva toda riscada de rugas paralelas como crespos
de ondeante cabelleira, ora cahem de subito em bloco, a modo de peso inerte e
que só obedece à gravidade, ou então se dividem em rios e filetes, mais ou
menos encorporados, parecendo, uns, alvíssimos fitões a riscarem de branco a
pedra negra, outros, uma serie de aereos flocos, que não attingem o fundo, se
desfazem em nevoeiro, se pulverizam nos ares e desvendam nos raios do sol os
graciosos e leves ancenubios do arco-iris.
(...) Foi quando, voltando-me para os companheiros de excursão,
exclamei com voz forte: “esta catadupa terá o nome de Salto Visconde do Rio
Branco”. Então uma saudade funda e repassada de gratidão pungio o coração dos
brazileiros que se achavam naquellas solidões; e todas as grandezas da natureza
inconsciente, aquellas revoltas e estrondeantes águas, aquellas immensas
rochas, aquelles solemnes e alentados madeiros, tudo se abateu e ficou pequeno
ante a estatura moral do estadista, cuja recordação esse glorioso nome evocava
no meio de invios sertões!
Essas expressões entusiásticas devem-se principalmente ao
fato de que, naquele período, o salto possuía uma configuração muito diferente
da atual. Em torno, havia uma floresta de altos pinheirais, e a cachoeira
estendia-se por um largo paredão. A queda d’água dividia-se em várias
cachoeiras de menor volume (“alvíssimos fitões”, segundo Taunay), que no entanto desapareceram após a construção da barragem, na
década de 1950. E o Salto Visconde do Rio Branco, como o Manduri, perdeu muito
de seu encanto natural.
Obra
extemporânea
Considerando-se a proximidade dessas cachoeiras da cidade
de Prudentópolis, e levando-se em conta a grandiosidade dos cenários que eles
representam, são esses os atrativos naturais de maior potencial para a
exploração do turismo no município. No entanto, as obras de concreto
implantadas no entorno dessas cachoeiras ao longo dos anos degradou de tal
forma os ambientes naturais, que acabaram se tornando locais pouco atraentes
aos turistas.
Segundo o EIA do projeto Dois Saltos, “embora o acesso e o
visual do salto (Manduri) sejam explorados de forma privada, é um dos poucos
lugares de lazer em área acessível, e próximo a uma cachoeira, muito
frequentado pela população local, turistas e visitantes de Prudentópolis”. Mas
a realidade é que os visitantes do Recanto Rickli deslocam-se ao local mais
para apreciar a comida do restaurante recém instalado do que para apreciar a
cachoeira. Empresários do setor hoteleiro preferem direcionar seus hóspedes a
pontos mais distantes da cidade, como os saltos São João e São Sebastião e
Recanto Perehouski.
Por outro lado, considerando o crescente setor turístico
de Prudentópolis e o alto faturamento econômico que as cachoeiras deverão
proporcionar no médio e no longo prazo, prevê-se que em breve os agentes desse
novo setor econômico estarão empenhados em retirar as usinas e fábricas
existentes junto a essas belezas naturais. O faturamento municipal com o
turismo deverá ultrapassar largamente os poucos recursos gerados com impostos,
proporcionados pela usina em projeto. As obras previstas, portanto, tornam-se
absolutamente inconvenientes ao projeto de desenvolvimento do município.
Degradação do
cenário do Salto 7
Acrescente-se que nas encostas do cânion formado pelo Rio
dos Patos, poucas centenas de metros abaixo do Salto Visconde do Rio Branco, destacam-se
várias cachoeiras. Dentre elas está o Salto 7, um dos mais utilizados pelos
turistas para a prática de rapel em Prudentópolis. Encontra-se num cenário
natural completamente preservado da ação humana. É nas proximidades desse local
que o projeto Dois Saltos prevê a construção da nova usina, à beira do Rio dos
Patos. Será um ato destrutivo de grande perda para aquele ambiente natural e
também para o turismo do município. O prazer do turista em descer por cordas
num ambiente de aspecto selvagem será frustrado pela visão de uma construção de
concreto no meio da mata.
5 – Falta
informações à população do município
As empresas proponentes da PCH Dois Saltos nunca
divulgaram dados concretos relativos às obras. Em reunião pública, afirmaram
que uma pesquisa junto à população apontou mais de 70% de concordância em
relação à construção da usina. Mas é evidente que a população foi apanhada de
surpresa pelos supostos pesquisadores. Desavisados quanto aos impactos
negativos, acreditando no velho conceito de que “usina é progresso”, talvez
muitos tenham-se manifestado favoravelmente. Mas a verdade é que a maioria dos
cidadãos prudentopolitanos não sabe exatamente do que se trata. Sem contar com
o fato de que os meios de comunicação local nunca deram voz aos que discordam quanto
à construção das PCHs. Após as reuniões, os únicos ouvidos pelas rádios e TV
locais têm sido os técnicos das empresas solicitantes. Ainda deve-se atentar ao
fato de que algumas pessoas foram entrevistadas duas vezes, e que outras
integram a equipe da Lactec, empresa realizadora da pesquisa, levantando
dúvidas sobre a isenção de seus comentários.
Observando objetivamente a iniciativa dessas empresas,
percebemos que elas não proporcionaram ao povo de Prudentópolis a oportunidade
de conhecer, para poder avaliar e julgar, de forma absolutamente consciente e
isenta, todo o procedimento. Se perguntarmos à população o que é uma PCH, é
duvidoso que 10% saiba responder. Para obtermos um julgamento realmente
favorável à construção da usina — ou a sua negativa — será necessário uma ampla
divulgação, não somente na cidade, mas principalmente nas comunidades do
interior, onde se encontra mais de 50% da população local, e onde será
implantada a usina. Sem esse consentimento consciente, não se pode afirmar que
o povo de Prudentópolis concorda com a instalação dessas obras.
Observemos o que aconteceu em 2001, quando uma empresa
canadense – Brascan tentou implantar uma PCH no salto São João. Um grupo de cidadãos
de Prudentópolis, que tinham trânsito na prefeitura, participaram de reuniões de
representantes daquela empresa com a administração municipal, e foram bem
informados sobre os procedimentos. Em seguida, estiveram na reunião pública
ocorrida na Câmara Municipal, onde apanharam inúmeras contradições entre os
dois discursos dos usineiros — um na prefeitura, outro na sessão pública. Ficou
evidente que haveria um grande impacto na cachoeira e no seu entorno, e que o
retorno financeiro, ambiental e social proporcionado por aquela empresa ao
município não estava à altura dos estragos previstos. Após aquela reunião, a empresa
abandonou o projeto.
O mesmo procedimento contraditório tem-se verificado nas
reuniões públicas que vêm ocorrendo desde 2011. A equipe técnica não conseguiu
contradizer o discurso daquele promotor de Maringá. E o fato de que uma das
empresas proponentes, Santa Clara, possui mais de 200 protestos em cartório, é
evidência de que algo muito errado está ocorrendo nesse projeto — ainda que
esse detalhe não se refira a questões ambientais. O empreendimento deverá ser
de algumas dezenas de milhões de reais, e o recurso provavelmente virá do BNDS.
Ora, como o governo poderá contratar com uma empresa economicamente instável
como essa? Aliás, é difícil entender como se deu a tal empresa o consentimento
para realizar estudos para a realização de obra dessa envergadura!
Também destacamos que durante as audiências públicas, em
momento algum foi mostrado ao público presente o documento de Anuência
Municipal para tal empreendimento.
6 – É evidente o
baixo retorno econômico para o município e sua população
Nas reuniões públicas respectivas ao projeto Dois Saltos,
os técnicos da Copel e da Santa Clara afirmaram que o município terá maior
disponibilidade de energia elétrica, após a construção da usina. O promotor
público de Maringá, supracitado, demonstrou que a energia será distribuída na
rede elétrica, sem qualquer interferência na oferta energética local. Em 2001 o
gerente regional da Brascan, João Coas, já havia informado publicamente que,
após instalada, a usina do Salto São João não geraria dividendos para o município,
e utilizaria somente um ou dois funcionários para o resguardo e a manutenção
das máquinas. E que a energia extraída seria utilizada para equilibrar “os
altos e baixos” da rede elétrica estadual.
Os representantes do projeto Dois Saltos disseram que serão
geradas dezenas de empregos para a população local. O promotor público
maringaense explicou que os empregos são dados a profissionais qualificados, que
vêm de fora do município. Os técnicos também afirmaram que os materiais de
construção serão comprados em Prudentópolis. O promotor evidenciou que as empresas
proponentes buscam o melhor custo-benefício, comprando no atacado, de fornecedores
de fora. Nesses quesitos, também não houve contestação pelos representantes dos
proponentes, consentindo na veracidade das afirmações do promotor e
evidenciando a pouca consistência no discurso daqueles técnicos.
7 – O impacto
ambiental trará repercussões negativas no turismo do município
Prudentópolis tem-se destacado na mídia como um local excelente
para o turismo rural e de aventura. Mas os turistas têm-se mostrado francamente
decepcionados quando se deparam com as barragens, usinas e fábrica instaladas
junto às cachoeiras do Rio dos Patos. Em função disso, cresce na comunidade a
ideia de que se deve retirar as construções já existentes, devolvendo às
cachoeiras seus cenários naturais. A mesma ideia foi partilhada pelo secretário
de Meio Ambiente do Estado do Paraná, Jonel Yurk, em reunião na Câmara
Municipal de Prudentópolis, no dia 11 de junho de 2012, junto a manifestantes
contrários às usinas. Acrescente-se que a implantação de novas obras de
concreto nesses locais dificultará ainda mais o processo de restituição dos
cenários primitivos.
8 – A região
abrangida pelo projeto é habitat de felinos de grande porte.
A lei Ambiental Brasileira, em
seu artigo 29, parágrafo 1º, determina que o habitat dos animais selvagens deve
ser preservado, e será imputada a “quem modifica,
danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural”. A lei é ainda mais
rigorosa quando se refere a animais raros ou considerados em processo de
extinção, como as várias espécies de felinos selvagens.
Vários relatos apontam para a
presença de felinos de médio e grande porte, na região que se estende desde o
povoado de Manduri até a Linha São Sebastião, dentro da área de abrangência do
projeto Dois Saltos. Não há registros fotográficos desses animais, porém os
moradores referem-se a eles como “tigre” ou “onça”.
Intervenções na morfologia podem alterar a fauna, a flora e talvez
algumas atividades turísticas que vinham se desenvolvendo na região, pois a
paisagem é um recurso turístico por excelência. Por outro lado, alguns animais
requerem extensas paisagens para manterem seu ciclo natural. O fracionamento ou
a perda da paisagem pode afetar o padrão de movimento e o comportamento do
animal dentro do seu ambiente natural. (do EIA-RIMA do projeto Dois Saltos)
Na última semana de junho de
2012, noticiou-se a presença de uma onça da Linha Paraná. O animal deixou
sinais de sua passagem na propriedade da família Kapuchinski. Matou um porco e
arrastou-o para o mato. “Era um porco vermelho, tinha uns 60 quilos”, disse o
proprietário Miguel Kapuchinski. Alguns dias depois uma vaca foi atacada junto
à residência de Miguel. O animal foi arrastado por cinco metros na direção do
mato. Foi encontrado morto, com um furo de dois centímetros de diâmetro no
pescoço e arranhões nas costelas. Pegadas de um felino grande foram encontradas
nas trilhas em redor. Próximo ao rio Barra Bonita, além de arranhões em troncos
de árvores, Sidinei Bruno de Oliveira, vizinho dos Kapuchinski, constatou o
“cheiro forte da onça”.
Na Linha Piquiri, um morador diz
ter escapado de um felino por um triz. Na descida próxima à igreja da Linha
Paraná rumo à ponte do Perehouski, o filho de Paulo Vinharski foi atacado
enquanto seguia em sua motocicleta. “O bicho se jogou na moto, quase pegou na
rabeta”, diz Paulo.
No vale do Rio dos Patos, na Linha Tira Cisma, eu vi marcas das unhas
de um felino de grande porte em árvores. (...) Obras de vulto nas áreas
principalmente no vale do Rio dos Patos irá espantar de vez estes belos
exemplares (...), uma pena... (Humberto José Sanches, em julho de 2012; engenheiro
civil, da equipe de “apoio de campo” da Latec, empresa que elaborou o EIA-RIMA do
projeto Dois Saltos). Observação: a Linha Tiracisma encontra-se na área de
abrangência do projeto “Dois Saltos”.
Na região oposta ao Município de Prudentópolis, mas que margeia o Rio
Ivaí, existem alguns felinos. Em imóvel que temos por lá, já escutamos urros
noturnos que seriam de fêmeas em acasalamento. Achamos vestígios nas margens de
um arroio próximo e proprietários das vizinhanças têm se queixado do
desparecimento de porcos, cabritos, galinhas, etc. (Josué Corrêa Fernandes,
historiador, ex-juiz de direito e ex-prefeito de Prudentópolis).
A presença de felinos
topo de cadeia indica e justifica a
permanência dos remanescentes florestais.
9 – As
restrições na produção agrícola das áreas afetadas pelo projeto Dois Saltos
trarão prejuízos ao município.
O projeto Dois Saltos prevê a desapropriação de 300
hectares de terras. Grande parte dessa área vem sendo cultivada pelos
proprietários, que contribuem com o erário público de Prudentópolis. Como as
terras desapropriadas deixarão de produzir, o município perderá parte
significativa de sua arrecadação, resultando em prejuízo para toda a população.
10 - Conclusões
O artigo 9º do Plano Diretor Municipal – PDM de
Prudentópolis, em seus incisos II e III, reza pela prioridade à conservação,
recuperação e proteção ambientais. No artigo 22, parágrafo único, versa sobre
as diretrizes de gestão ambiental como alavanca de desenvolvimento, na busca de
soluções para áreas degradadas e preservação para as ainda não degradadas,
indicando programas, projetos e ações para isso. Essa lei também prevê o
tombamento, tendo como sujeitos os bens integrantes do patrimônio ambiental,
histórico e cultural, entre eles os monumentos naturais. O artigo 73 assegura a
participação dos cidadãos no processo de planejamento e gestão da cidade.
Em relação aos saltos Manduri e Visconde do Rio Branco, o
tombamento se qualifica, pois ambos possuem valor sócio-cultural, ambiental,
histórico, científico, estético, paisagístico, turístico e até arqueológico. O
salto Manduri, por exemplo, recebeu o título de Balneário Municipal, através da
lei 363, de 19 de junho de 1975 — outro fato não levantado pelo EIA do projeto
Dois Saltos. Ora, como pode um local receber o título de balneário, e ter sua
riqueza cênica e ambiental ameaçada?
Muitos dos pontos colocados no EIA Dois Saltos necessitam
de leis específicas, que as regularize — o que ainda não foi feito. Outros
necessitam de ações e diagnósticos para serem validados — o que também não foi
feito.
Aqui vivemos nós,
Prudentopolitanos, sendo parte deste ambiente tão particular e fascinante, e
não precisamos perder o que temos, somente porque duas empresas decidiram
aumentar seu faturamento!