segunda-feira, 12 de agosto de 2013

GENTE SOFISTICADA

É visível em todo tempo e lugar um grupo de pessoas que se acham escolhidas pelo destino para ser "elite". Cultivam suas qualidades, o que é louvável, mas apresentam ao público como prova de que participam de um pequeno rol de privilegiados. Discutem com grande propriedade os assuntos considerados culturais, que podem variar entre um velho disco de Edith Piaf, uma litogravura de Escher ou a última teoria sobre o mercado imobiliário. E quando olham para a periferia (não somente a favela, mas todo aquele bando de gente grosseira que não entende nada dessas coisas finas das pessoas culturais), essas pessoas culturais têm a certeza de que aquelas outras pessoas foram construídas com um material de terceira e não merecem nada mais que permanecer em suas choças mentais. 
Essas pessoas da Primeira Classe não percebem e não perceberão que seu olhar sobre os considerados seres inferiores constitui em si mesmo uma deficiência grave, que os põe numa condição de fragilidade, a qual poderá arrebentar ao menor sinal de força contrária. E o motivo é simples: baseia-se num equívoco. Pois todas as criaturas, seja um Nobel da Física ou um rato de esgoto, são construções de altíssima sofisticação. Mesmo o caboclo que mora nos fundos do sertão cumpre um ciclo de vida extremamente complexo, que ele próprio percebe em alguns instantes de rara clarividência, especialmente quando começa a intuir a aproximação de sua própria morte. Talvez a arrumadeira de camas do hotel não tenha grandes estudos para saber dos novos conceitos de realidade, mas ela certamente detém um conhecimento bastante profundo sobre as origens da sua própria dor, ou dos seus desejos inconfessados, ou dos prazeres que desfruta às escondidas da sociedade que a classifica como um ser inferior, ou, no máximo, de qualidade mediana.
A realidade mundana é extensa, grandiosa e soberana sobre os nossos processos mentais. Queiramos ou não, o ser humano é um pequeno detalhe num universo grandioso. Queremos deter toda a gama de conhecimento disponível em nosso entorno, para mostrar o quanto somos especiais, mas o maior sábio de todos os tempos, o Senhor Tempo, vem para desfazer todos os equívocos. E ele nos mostra que todos os narizes empinados caíram, e todo o seu orgulho foi por terra, dissolveu-se, desapareceu. E já faz tempo que o mais simples dos mortais deu-se conta que, ao final de tudo, Dona Morte encarrega-se de aplainar todas as diferenças.
Você pode acreditar que se encontra num grupinho de gente fina, cada um com um papo mais legal que o outro. Mas quando você chega em casa, a verdade da sua vida é você e o seu rosto no espelho. O que você vê?

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