É visível em todo
tempo e lugar um grupo de pessoas que se acham escolhidas pelo destino para ser
"elite". Cultivam suas qualidades, o que é louvável, mas apresentam
ao público como prova de que participam de um pequeno rol de privilegiados.
Discutem com grande propriedade os assuntos considerados culturais, que podem
variar entre um velho disco de Edith Piaf, uma litogravura de Escher ou a
última teoria sobre o mercado imobiliário. E quando olham para a periferia (não somente a
favela, mas todo aquele bando de gente grosseira que não entende nada dessas
coisas finas das pessoas culturais), essas pessoas culturais têm a certeza de
que aquelas outras pessoas foram construídas com um material de terceira e não
merecem nada mais que permanecer em suas choças mentais.
Essas pessoas da
Primeira Classe não percebem e não perceberão que seu olhar sobre os
considerados seres inferiores constitui em si mesmo uma deficiência grave, que
os põe numa condição de fragilidade, a qual poderá arrebentar ao menor sinal de
força contrária. E o motivo é simples: baseia-se num equívoco. Pois todas as
criaturas, seja um Nobel da Física ou um rato de esgoto, são construções de
altíssima sofisticação. Mesmo o caboclo que mora nos fundos do sertão cumpre um
ciclo de vida extremamente complexo, que ele próprio percebe em alguns
instantes de rara clarividência, especialmente quando começa a intuir a
aproximação de sua própria morte. Talvez a arrumadeira de camas do hotel não
tenha grandes estudos para saber dos novos conceitos de realidade, mas ela
certamente detém um conhecimento bastante profundo sobre as origens da sua
própria dor, ou dos seus desejos inconfessados, ou dos prazeres que desfruta às
escondidas da sociedade que a classifica como um ser inferior, ou, no máximo,
de qualidade mediana.
A realidade mundana é
extensa, grandiosa e soberana sobre os nossos processos mentais. Queiramos ou
não, o ser humano é um pequeno detalhe num universo grandioso. Queremos deter
toda a gama de conhecimento disponível em nosso entorno, para mostrar o quanto
somos especiais, mas o maior sábio de todos os tempos, o Senhor Tempo, vem para
desfazer todos os equívocos. E ele nos mostra que todos os narizes empinados
caíram, e todo o seu orgulho foi por terra, dissolveu-se, desapareceu. E já faz
tempo que o mais simples dos mortais deu-se conta que, ao final de tudo, Dona
Morte encarrega-se de aplainar todas as diferenças.
Você pode acreditar que se
encontra num grupinho de gente fina, cada um com um papo mais legal que o
outro. Mas quando você chega em casa, a verdade da sua vida é você e o seu
rosto no espelho. O que você vê?
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