A vida comum, regrada, dentro da lei, tem suas vantagens, e a maior
delas é o conforto. E o prazer, para aqueles que conhecem os meios da sua
fruição. Posso passar a vida seguindo essa linha reta, sem solavancos, sem
abismos e penhascos, um caminho de delicadas colinas e inclinações suaves, rumo
ao fim!
Eu não arrisco nada fora do riscado, não me levanto contra as
opressões, não me revolto contra os pequenos ditadores que encarceram minha
vida. E aqueles que arriscam sair desse riscado, evadir-se do leito confortável
desse rio de águas mornas, aqueles são os temerários aventureiros que temo, que
julgo e condeno. Mas no fundo sei que eles sabem coisas que eu não sei.
Tem coisas que o cego sabe que eu não sei. Tem coisas que o velho sabe
que eu não sei. Tem coisas que o surdo sabe que eu não sei. Tem coisas que o
aleijado sabe que eu não sei. Tem coisas que o cubano sabe que eu não sei. Tem
coisas que o drogado sabe que eu não sei. Tem coisas que a mãe solteira sabe
que eu não sei. Tem coisas que o índio sabe que eu não sei. Tem coisas que o
pirata sabe que eu não sei. Tem coisas que o pecador sabe que eu não sei. Tem
coisas que o favelado sabe que eu não sei. Tem coisas que o homossexual sabe
que eu não sei. Tem coisas que a prostituta sabe que eu não sei. Tem coisas que
o animal silvestre sabe que eu não sei. Tem coisas que o aluno reprovado sabe
que eu não sei. Tem coisas que o aluno negro sabe que eu não sei. Tem coisas
que condenado à morte sabe que eu não sei. Tem coisas que o náufrago sabe que
eu não sei. Mas todas as coisas que eu não sei, o Tempo sabe. E a sabedoria do
Tempo é tamanha que até o futuro ele sabe, pois ele é a única coisa deste mundo
que existe também no futuro. O Tempo não existe, é invenção humana, mas então,
o que é mesmo que eu sei?
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