segunda-feira, 2 de setembro de 2013

MÉDICOS DA ALMA

Para a Igreja, todo cidadão que cancela a própria vida está irremediavelmente condenado ao inferno. Para a psicologia, o indivíduo é um mero covarde.
Li um artigo, assinado por um psiquiatra, com o título “O suicida é um covarde”. Não é necessário comentar o texto, pois o título se encarrega dos estragos. 
Penso nos filhos e na mulher do suicida. Que podem estar sentindo após o veredicto de um profissional? As pessoas costumam levar muito a sério os comentários de profissionais, principalmente dos que atuam na área da saúde, o que torna extremamente perigosas suas afirmações. Se o psiquiatra diz que o suicida é um covarde, os familiares do suicida estão pensando será que meu pai, meu marido, meu irmão, era de fato um covarde?
Para cometer suicídio é preciso ter muita coragem. Como o próprio psiquiatra diz em seu artigo, a maioria de nós já pensou em cometer suicídio. Se é verdade, por que não nos matamos?
Nenhum psiquiatra jamais saberá o que de fato acontece com a mente de seus pacientes, pelo simples fato de que o paciente é um universo, extenso e complexo. A consciência humana é uma nuvem, que vai se misturando a outras nuvens, e de repente cai a tempestade. O analista pode supor, porém, a verdade ele nunca saberá. E quando se trata de analisar as particularidades psicológicas de uma pessoa que sequer conheceu em vida, a questão fica ainda mais difícil. Quem é tão onipotente para saber o que tal pessoa estava pensando, ou sentindo, durante aquele instante poderoso, em que decidiu renunciar à própria vida? Que temores anunciava ao dar fim às suas dores? Que alegrias buscara e por quanto tempo lhe foram negadas? Qual outra consciência seria capaz de perceber os sentimentos daquela consciência que acenava com um bilhete de algumas pequenas frases aos que deixava, quando algumas milhares de folhas precisariam ser escritas para que se pudesse entender a totalidade das sensações que lhe ocorreram durante a vida?
Freud deu poderes demasiado pesados aos seus aprendizes. A argumentação psicanalítica tem uma lógica poderosa, porque vai buscar no cerne, na fonte geradora de todo raciocínio. Mas o raciocínio, a princípio, obedece a lógica nenhuma. Talvez Freud haja compreendido, mas não explicou direito aos aprendizes. Um homem só será capaz de analisar a psique de outro homem após rever, analisar, moer, fazer virar pó e reconstruir sua própria vida, como provavelmente o pai da psicanálise fez com a sua.
Não será o raciocínio que os estudantes de psicologia encontram nos livros que lhes dará respostas durante a análise dos pacientes. Um momento de suicídio, por exemplo, é um fato único, inimitável, incomparável. O momento da decisão foi o desfecho de uma vida inteira e tornou-se fato a partir de um conjunto de inumeráveis pequenos acontecimentos que jamais serão resgatados por nenhuma Ciência. Chamar um homem de covarde em função de apenas um ato seu significa condenar toda sua vida. Quem, no entanto, saberá dizer seus inumeráveis instantes de coragem, aqueles que a psiquiatria não viu, nem registrou?

Por outro lado, não podemos menosprezar o papel da psicologia, quando atua como humilde investigadora dos nossos fracassos. Se põe-se a buscar as minúcias de uma mente perturbada — e somos todos perturbados, nos mais diferentes graus — pode tornar-se um instrumento poderoso, não somente na salvação de uma vida, mas na evolução do complexo humano.
Se os psicólogos assumissem sua importância vital no desenvolvimento de uma escola saudável, cada instituição teria pelo menos um deles disponível para cada série escolar, e seu salário seria equivalente ao de um médico. Mas publicidade dos psicólogos junto à população é desanimadora. Parecem eles mesmos não compreender o significado de seu status. Sim, é uma questão de significado. O que significa esmiuçar a dinâmica que leva a um pensamento elaborado, ou a uma paranóia? Se temos como certo que a força do nosso cérebro é o que nos identifica dentre outros animais, por que essa tremenda dificuldade em compreender que a psicologia é mais eficiente que a medicina no tratamento das nossas doenças, aquelas que realmente nos matam?
Reflita: o que nos causa mais indigestão? Frituras ou depressão? O que nos provoca mais infartos? Problemas na válvula mitral ou dívidas? O que gera mais câncer: radiatividade ou tristeza?

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