quinta-feira, 17 de outubro de 2013

COMPLEXOS DA VIDA

A vida é complexa, mas o viver é simples. Também a morte é um fenômeno complexo, mas o morrer é simples. A vida é um elaborado fruto da química, da física, da biologia e sabe-se lá de que outras disciplinas ainda desconhecidas pelo Homem. Porém, apesar de toda a sofisticada maquinaria de que foi gerado, você pode ser um ser vivo tão simples, pacato e previsível quanto um deputado ou um senador. Obviamente, o deputado ou o senador podem enlouquecer, podem esquecer os ensinamentos que os amansaram e os reduziram à sua atual condição. Então retornariam ao estado de pureza inicial, tornar-se-iam selvagens, voltariam ao mistério, às profundezas desconhecidas. E passariam a falar somente a verdade, sem mais nenhum teatro ou engodo. Falariam sem medo de errar, como fazem alguns “doidos” que andam por aí! Mas os deputados e os senadores, assim como o motorista, o jardineiro e o florista estão fortemente amarrados em seus conceitos e tradições, e apenas raramente enlouquecem.
A morte obedece aos mesmos princípios extraordinários da formação da vida, porém morre-se de um resfriado ou de uma complicação renal.
As coisas simples do viver e do morrer tornam-se complexas a partir das nossas interpretações desses fenômenos. Mas de uma complexidade confusa e imprecisa, capaz de resultar nos mais obscuros horrores. Porém, basta olhar para a Natureza, onde a mão humana não interfira, e descortina-se a simplicidade, em sua beleza exuberante. Os pássaros expõem suas combinações de formas e cores. Os animais rasteiros brilham ao sol enquanto mostram comportamentos simples e previsíveis. Mas para olhos sensíveis, comportamentos de extrema beleza plástica e dinâmica.
A Natureza instaurou o comportamento do Serelepe milhares de anos antes do rei Hamurabi escrever suas primeiras linhas. Definiu as regras diárias do Arapaçu bem antes que os romanos compusessem seu código de leis. Franziu a crista do Pica-Pau da cabeça vermelha muitos séculos antes que o Homem criasse a primeira agência de publicidade. Planejou a carapaça da Tartaruga milhões de anos antes que o Homem concebesse o escudo, ou o tanque de guerra.
O Homem é incapaz de criar um arco-íris, senão com os recursos e o consentimento da Natureza. Mesmo nos chips, nos bits, nos softwares mais sofisticados, é a Natureza com suas matérias-primas e suas leis que propiciam esses passes de mágica. O Homem inventa porque a Natureza permite. Ela não luta contra o Homem, embora o Homem lhe dê combate. O Homem é a ponta de lança da Natureza, mas raramente se vê nesta condição, e é por isso que se perde. Acredita-se um ser apartado da Natureza, uma espécie de ciborg auto-projetado, nascido em um universo paralelo, ainda que uma lufada de vento possa tomar-lhe a vida.
As formas vivas mais admiráveis não desabrocham para nossos olhos ou nossa explicação. A ignorância humana consiste em não saber se essas vidas encontram-se em seus locais específicos por uma decisão absoluta ou por circunstâncias aleatórias! Tendemos a emprestar uma razão a esses fenômenos, que são, aliás, tão corriqueiros quanto o aflorar de uma folha de grama. Porém, cada vez mais nos damos conta de que o fenômeno de uma forma elaborada de flor de bromélia não obedece a qualquer espécie de vontade racional, senão à do próprio meio que a acolhe. Há sem dúvida um desejo e há uma estratégia de realização dessa flor impressionante, entre tantas outras formas vegetais. Mas a uma tal consciência, que gera desejo e circunstância, a mente humana ainda não tem acesso. 
As mãos criativas que dominam a matéria orgânica, ou a vontade resoluta das moléculas, que trabalham com ou sem ordens superiores, produzem as soluções possíveis para a geração da praticidade e da beleza. Algumas espécies jamais classificadas, e mesmo aquelas que passarão sem se dar aos nossos olhos ou a qualquer dos nossos sentidos, estão estruturadas e se reproduzem sem nenhuma dificuldade, criando estruturas para a acomodação aos seus ambientes, moldando-se em enfeites que lhe darão maiores possibilidade de integração e sobrevivência. São a forma mais acabada de poesia, algumas delas salpicadas de gotículas que lhes confere um brilho de pérolas em texturas de veludo. 
Ponha um homem no campo, dê-lhe todas as ferramentas para produzir, com alguns materiais básicos, uma pétala com textura de veludo. Então saberemos a diferença entre a perfeição que antecede a elaboração de uma mente sofisticada, e os vários níveis de estupidez demonstrados por esta mente sofisticada. Se foram moléculas e umas poucas leis da física que construíram as delicadas pétalas da petúnia, quem duvida que tenham elaborado o cérebro, o espírito consciente de si mesmo?!
Se um detector de fina sensibilidade vier averiguar toda a gama de aromas que perpassa um gramado repleto de arbustos na primavera... se pudéssemos ver esses aromas, cada um com sua cor característica, flutuando feito névoa entre as hastes de capim! Tais aromas não foram feitos para o homem. Foram feitos pelo jardim e para o jardim, e para quem o queira visitar.

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