Era um boneco sensacional, vestido com o tradicional jaquetão vermelho, com cinta e botas pretas, luvas e sorriso brancos feito neve. Papai Noel cantava com voz de rádio mal sintonizado e rebolava meio desengonçado, naqueles primeiros tempos dos bagulhos importados do Paraguai. Mas para o pequeno Juliano era a coisa mais linda do mundo. Os dedinhos das mãos formigavam, ansiosos por tirar o velhinho da prateleira.
— Quanto custa, Roberval? — perguntou a um sujeito de cabelos ruivos, que naquele momento desmontava uma calculadora eletrônica com uma chave de fenda.
— Quatro cruzeiros. Você tem? — Dedo na boca, coceira na nuca, Juliano gostaria de dizer que sim. — Me traga os quatro cruzeiros e o Papai Noel é teu. Tome. Aperte o botão pra ele cantar.
O garoto não perdeu a oportunidade. Agarrou o boneco com sofreguidão, apertou o botão cravado nas costas e encostou a barriga do bom velhinho no ouvido para senti-lo resmungar uma velha canção de Natal americana.
Naquela noite sonhou com os sinos de Belém. A carruagem natalina espalhava estrelinhas no céu azulado, o velho de barbas longas distribuía presentes na cidade glacial, num país muito distante e pequeno.
Quando acordou, sentiu um estorvo na boca. Cuspiu longe, porém, vendo que brilhava, levantou da cama e foi ver o que era.
— Mãe, mãe! Caiu um dente — gritava, entrando disparado na cozinha. Mas a mãe não se encontrava. Só a Vovó Jurema. — Vovó, Vovó, veja, caiu um dente meu.
— Você já é um homenzinho — disse a avó, tomando o dente e analisando-o com seriedade e devolvendo-o ao menino. Estava sentada no caixão de lenha, ao lado do fogão, tecendo tricô. Tinha a estatura de uma menina, cabelos curtos e brancos mal enrolados num lenço de bolinhas. Estava recurvada sobre as agulhas compridas, que se trançavam com rapidez e precisão, enrolando fios brancos e vermelhos sob o olhar atento do menino.
— Vou propor um negócio pra você — continuou a velhinha, parando novamente com o tricote. — Você me dá o dentinho e eu te dou um cruzeiro. O que acha?
Com o assentimento de Juliano, sacou uma bolsinha velha de sua sacola de compras, retirou uma moeda e entregou ao neto. O menino saiu em disparada até “escritório” do Roberval, que naquela época morava numa pequena pensão do Limoeiro. O quarto estava sempre atulhado de bugigangas, que variavam entre vídeo-cassetes coreanos até bonequinhos de madeira da China. Além dos produtos importados, o quarto estava sempre cheio de garotos que, à moda de Juliano, tinham ali um ponto de encontro e de partida para as aventuras diárias.
— Eu trouxe um pouco do dinheiro — disse Juliano, logo que avistou o comerciante. — Posso levar o Papai Noel?
— Quanto você tem? Um cruzeiro? Mmm! Se prometer que me traz o resto até o final do mês, pode levar.
Juliano quase explodiu. Era dele! O Papai Noel! O fato de que tinha dinheiro na mão dispensava qualquer discussão sobre o valor da moeda. Embora quase estourasse de felicidade ao abraçar seu boneco, não estava nem um pouco surpreso com a generosidade do vendedor. Somente à noite, depois do severo alerta da mãe quanto ao perigo de “receber presentes de certas pessoas”, o garoto começou a matutar sobre os três cruzeiros restantes que teria de viabilizar nas próximas semanas. Chegou a pensar em vasculhar os bolsos dos pais, mas uma lição recebida pelo irmão mais velho há poucas semanas desmotivava qualquer ação desse naipe. Podia pedir emprestado a um amigo, mas quem, com sua idade, teria aquela montanha de dinheiro? Estava definitivamente em maus lençóis. Ainda assim, abraçado ao seu novo parceiro de cama, gastou quase toda a pilha e os nervos da família fazendo o boneco guinchar e bambolear madrugada adentro.
Na manhã seguinte, embora a mãe estivesse sentada à mesa, procurou o colo da avó, que naquele momento dava os últimos retoques a um luxuoso cachecol de lã.
— Caiu mais algum dentinho, querido?
— Não.
— Que boneco mais lindo. — A avó olhava ao mesmo tempo o menino e a mãe, que lhe dizia na linguagem labial: “Ganhou de presente de um tal de Roberval”. — Ganhou de presente? Nossa, eu seria a criança mais feliz do mundo se no meu tempo eu tivesse uma coisa dessas.
Juliano sorria, mostrando orgulhosamente o buraco deixado pelo incisivo desaparecido.
— Quer continuar o nosso negócio?
— Ahn?
— Cada dentinho que você me trouxer, te dou um cruzeiro. Você topa?
— Nossa, Vovó. Ta falando sério?
À noite um Juliano preocupado e endividado tinha uma ventania dentro da cabeça. Moedas, brinquedos, o rosto mal barbeado e misterioso do Roberval, tudo se misturava por dentro das pálpebras. Perturbado, pulou da cama e foi ao espelho do banheiro ver o buraco na dentadura. Fez algumas caretas, simulando algum monstro de história
— Vovó — disse Juliano, no momento em que a velha colocava a chaleira no fogo para o café. Era sempre ela quem levantava mais cedo e preparava para todos o desjejum. Estranhou que o pequeno aparecesse àquela hora, mas recebeu-o como sempre num abraço caloroso.
— As pulgas te expulsaram da cama? — perguntou a velha.
Juliano riu, forçando para manter a boca fechada.
— Lembra, fofó, daquele negócio que você prometeu?
— Sei. Dos dentes. O que é que tem?
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