domingo, 23 de fevereiro de 2014
A VIÚVA
O céu parece uma jóia de um azul intenso. O vento nas copas altas dos pinheiros desce sobre a paisagem verde mata, arrastando folhas e pétalas rumo à distante e tênue silhueta da Serra da Esperança. O vento é tão consistente que parece líquido, um rio límpido e rumoroso, que arrasta para longe o meu olhar. Há um capricho extremado da Natureza na composição desse ambiente, tudo desenhado para o desenvolvimento de consciências singulares. Os espaços são imensos, cada arbusto, nuvem e cipó florido chamam a uma interpretação poética. Mas a conversa à mesa, onde há poucos minutos foi consumido um grande pedaço de boi, repete-se como uma crônica antiga. Fulano teve o telhado da casa destroçado pela pedreira, Sicrano dormiu na valeta perto da bodega, Estefano comprou um trator, a mulher de Feliciano foi internada com fortes dores nas costas, Beltrano morreu de veia entupida. Os corpos passam de um instante a outro, amparados em mecanismos de impressionante fisiologia, minuto a minuto transformam proteínas, açúcares e gorduras, que se incorporam às células e preservam essas vidas. As bocas, enquanto dizem maravilhas ou asneiras, só o fazem porque as mitocôndrias do músculo da língua estão queimando adenosina trifosfato - ATPs. Por essas e tantas razões, penso que os donos desses corpos deveriam viver em estado de êxtase. Pelo alucinante fenômeno da vida, do dom de respirar e de sentir todos esses aromas ofertados pela primavera, deveríamos pensar somente no próximo passo estupendo que vamos dar! Mas as nossas cabeças são feitas de uma maçaroca de pensamentos confusos, herança de nossos complicados ancestrais. Apenas raramente escutamos a sinfonia dos anjos, o tilintar dos sinos que vem pelo caminho das estrelas e desce com os ventos sobres essas paisagens desiguais. Tão poucos se dão conta deste momento único e irrecuperável que estamos vivendo! Estrelas explodiram, sóis se formaram, galáxias se aglutinaram, o planeta Terra instalou-se na órbita solar numa exata configuração de 23º 26' 21'' em relação ao eixo de sua rotação para que tivéssemos o privilégio das estações... Depois a vida terrena se fez, como uma especiaria, um sucesso, um adorno tão rico e diverso no corpo duro e estéril deste universo frio, feito de rochas e vazios... A vida fora da cabeça humana acontece como uma sofisticada rede de interrelações, proporcionada pelas Leis jamais corrompidas da Natureza. Em obediência a essas mesmas Leis formou-se a sofisticadíssima mente humana. Mas a mente humana perde-se no domingo à tarde comentando mais um empate do Corinthians, ou fofocando sobre a escolha da viúva de Beltrano, que preferiu aposentar o vestido preto dois meses após a morte do falecido, passou a usar saia estampada e sorri a todos que passam, em vez de recolher-se em sua tristeza... Pecado!
domingo, 9 de fevereiro de 2014
DESREGRADOS
As pessoas instalam as regras, e as regras
tornam-se sagradas. Não porque sejam as mais certas e necessárias, mas porque
tudo que foi estabelecido parece impossível de se mudar, como aquelas
"porcas" de metal que enferrujam em torno do parafuso e depois não
querem sair. Só se soltam à base de marteladas.
Você pensa que vive num mundo onde ocorrem muitas revoluções por minuto, tudo muda o tempo todo, as cores, as formas, a moda. Mas nas profundezas do nosso sistema, tudo está como sempre foi. Estamos emperrados, empedrados, paralisados num tempo em que se adora os reis (do dinheiro, do futebol, da moda), em que se despreza e se pisa os fracos, em que se violenta e se machuca os pequeninos. Para os modernos homens brutos, toda delicadeza é "viadagem", toda sensibilidade é sinal de fraqueza, todo gesto polido é uma temeridade. Nunca fomos tão machistas, tão racistas e preconceituosos como nos dias que correm. A televisão manda comprar, acreditamos que é essa a regra moderna, então compramos todos esses belos produtos das vitrines como se fossem a salvação, e depois eles são jogados num canto, inutilizados em forma de lixo.
Saia pra fora, respire, vá caminhar no meio do mato, onde não existem regras. Observe os bichos, vivem sem leis e não se sabe de um deles que tenha morrido de estresse — pelo menos, enquanto não caiu nas mãos humanas. Dê uma olhada numa loja veterinária, todos aqueles pássaros engaiolados. São uma beleza a ser levada pra casa, ou são o símbolo da aflição humana? Nós engaiolamos peixes, tigres, pássaros, pessoas, sentimentos! Dá uma olhada numa Câmara Municipal, aqueles homens cheios de regras. O que fazem com suas sagradas leis, senão perpetuar a incoerência, a estática, o tédio? É preciso romper a regra, deixar voar os pássaros, soltar mais uma vez o velho grito de liberdade, esse pássaro raro que cresceu nas profundezas de nossas almas oprimidas...
Você pensa que vive num mundo onde ocorrem muitas revoluções por minuto, tudo muda o tempo todo, as cores, as formas, a moda. Mas nas profundezas do nosso sistema, tudo está como sempre foi. Estamos emperrados, empedrados, paralisados num tempo em que se adora os reis (do dinheiro, do futebol, da moda), em que se despreza e se pisa os fracos, em que se violenta e se machuca os pequeninos. Para os modernos homens brutos, toda delicadeza é "viadagem", toda sensibilidade é sinal de fraqueza, todo gesto polido é uma temeridade. Nunca fomos tão machistas, tão racistas e preconceituosos como nos dias que correm. A televisão manda comprar, acreditamos que é essa a regra moderna, então compramos todos esses belos produtos das vitrines como se fossem a salvação, e depois eles são jogados num canto, inutilizados em forma de lixo.
Saia pra fora, respire, vá caminhar no meio do mato, onde não existem regras. Observe os bichos, vivem sem leis e não se sabe de um deles que tenha morrido de estresse — pelo menos, enquanto não caiu nas mãos humanas. Dê uma olhada numa loja veterinária, todos aqueles pássaros engaiolados. São uma beleza a ser levada pra casa, ou são o símbolo da aflição humana? Nós engaiolamos peixes, tigres, pássaros, pessoas, sentimentos! Dá uma olhada numa Câmara Municipal, aqueles homens cheios de regras. O que fazem com suas sagradas leis, senão perpetuar a incoerência, a estática, o tédio? É preciso romper a regra, deixar voar os pássaros, soltar mais uma vez o velho grito de liberdade, esse pássaro raro que cresceu nas profundezas de nossas almas oprimidas...
sábado, 8 de fevereiro de 2014
A CASA DA FELICIDADE
A pequena Mayara seguia pelo caminho da mata, acompanhada de sua tia
Jussara. Respirava fundo, a intervalos, como querendo sorver a perfumaria densa
e densa que evolava das folhas secas. O aroma misturava-se ao dos primeiros
brotos da primavera, saindo verde claro das cerejeiras e marrom-avermelhado das
jabuticabeiras.
— O que você leva neste pacotinho, Mayara? — perguntou a tia.
— O Vô Guairacá tinha uma estátua de barro lá na cidade — respondeu a
menina, fingindo não ouvir a pergunta. — Os brancos fizeram a estátua sabendo
que ela ia se desmanchar.
— Mas quando ele fugiu e retornou à aldeia, todos nós festejamos.
— Ele queria se tornar um homem branco?
— Não. O seu avô sempre foi um sábio. Procurou os brancos para fazer um
acordo sobre as nossas terras invadidas. Depois ele ficou sabendo o que os
brancos fazem com os acordos.
— A Vó Jurema disse que ele tinha uma protetora.
— Sim, é verdade. Havia uma mulher muito sábia, que veio de uma terra
distante. Mas essa era única no meio daquela gente gananciosa. Quando a estátua
começou a se desmanchar, ela saiu gritando, chamando o seu avô, mas ele
desapareceu no meio da mata. Depois voltou envergonhado à aldeia, mas o
importante é que venceu a vergonha e voltou.
— Eu queria ter conhecido o avô. Eu sei que ele me ajudaria.
— Ele morreu de tristeza.
— A avó disse que mesmo na tristeza ele nunca perdeu a altivez.
— Isso também é verdade. Mas para que você precisaria de ajuda, Mayara?
— Por uma causa.
— Entendo. Vai me dizer o que leva aí no seu pacote?
— Eu segui os conselhos da avó. Juntei todas as minhas virtudes pra
oferecer à Felicidade.
— Elas estão aí no pacote?
— Sim.
— E por que estou vendo no seu semblante aquela tristeza do seu avô?
— O avô sabia o que era justo. Ele queria a Justiça, não queria uma
estátua de barro.
— Sim, mas a Justiça não é as mãos que amassam o barro. A Justiça é o
barro, e o barro está à mercê das pessoas.
— E a Felicidade, o que é?
— Ninguém sabe. Dizem que a gente só sabe quando ela se afasta de nós.
A avó conta que a Felicidade nasceu com a nossa tribo. Ela caminhava faceira
pela floresta e conversava com todos. Mas depois chegaram os brancos com aquela
tristeza profunda, e a Felicidade foi se desviando mais para dentro da mata.
Dizem que no começo ela aparecia nas festas, mas depois o nosso povo abandonou
as festas e ela não apareceu mais por aqui.
— Talvez ela tenha aquela altivez do avô.
Jussara riu-se, em silêncio. Dobrou os braços nas costas e continuou
acompanhando os passinhos de Mayara. O caminho da floresta abriu-se num campo
de vassoureiras, com suas franjas amarelas e brancas estremecidas por
mamangavas e pintassilgos. Na colina próxima descortinava-se a aldeia, tomada
pela névoa ocre do entardecer. As poucas nuvens no alto da Serra da Esperança
começavam a pintar-se de laranja.
— Você gostaria de conhecê-la? — tornou Jussara.
— A avó sempre me fala dela. Fiquei esperando que aparecesse na aldeia,
mas nunca tive a sorte. Dizem que ela é amiga das crianças, mas então, por que
nunca aparece?
— Um dia desses posso mostrar onde ela mora.
— A avó me disse onde ela mora. Você já foi lá?
— Sim, quando eu tinha quinze anos. Mas a casa estava vazia, e tomei
aquilo por um sinal. Acredito que vou encontrá-la, mas só quando for a vontade
dela.
— É assim, então, somente quando ela quer?
— A Felicidade não poderia receber a todos em sua casa. Ela prefere
sair em busca dos que a mereçam.
— E você sabe de alguém aqui da aldeia que ela tenha visitado?
— A avó é uma dessas pessoas.
— A Vó Jurema? Então é por isso que ela está sempre alegre! Às vezes
penso que a avó é a nossa única fonte de alegria. E quando foi que ela recebeu
a visita da Felicidade?
— No dia que o avô morreu. Ela nem teve tempo de ficar triste. Muitos
até estranharam.
— E o que a Felicidade disse pra ela?
— Que ela visse o dia passar.
— Só isso?
— A Felicidade não é de muitas palavras.
— Ela estava em casa hoje. Eu vi a fumaça do petinguá. E vinha um
cheiro de potiúna cozido.
— Está me dizendo que você esteve lá?
— Eu levei o meu pacote de virtudes e chamei por ela. A porta estava
aberta, mas ela não veio me receber.
— Não pensou que, se a porta estava aberta, era um oferecimento?
Os olhos de Mayara se abriram e brilharam ao fogo do crepúsculo.
— Eu vou lá, tia — disse, voltando-se sobre suas pegadas e retomando o
caminho.
— É tarde, Mayara — alertou a tia, mas a menina apressava o passo na
direção da mata. — Vai anoitecer e o caminho fica perigoso.
— Hoje não me ensine sobre os perigos, tia. Se ela está com a porta
aberta, o que devo temer? Venha, venha, venha junto comigo, deve caber pelo
menos duas pessoas na casa da Felicidade...
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014
SEGREDOS DA LUZ
As cores e formas estão nos sonhos porque há uma
fonte que as ilumina. Não há sonhos sem imagens, exceto, talvez, para aqueles
que nasceram cegos. Como se formariam as imagens, se não fossem iluminadas?
Mesmo que em nossa mente elas correspondam a padrões elétricos — captados no
mundo real, transformados na retina e transportados ao cérebro — se algo as vê,
durante o sonho, ou na imaginação do indivíduo desperto, é sob a luz que as
ilumina, traduzindo em imagens os raios luminosos. Significa que guardamos luz
em nossas mentes, e fazemos o prodígio de, com ela, criar objetos e situações
inéditas, que agora, no sonho ou na imaginação desperta, são pela primeira vez
contemplados. Se podemos ver, em nossas mentes, pessoas agindo em torno de
objetos iluminados, não podemos negar que realmente existem, se são percebidos
como cores e formas em movimento e, portanto, estão sendo iluminados, e é
evidente que há uma fonte que os ilumina. Mesmo que esta fonte seja elétrica —
ou espiritual — o fato é que ela ilumina, define cores, formas e situações
determinadas no espaço-tempo caótico do nosso sonho-imaginação. Seja qual for o
acontecimento, a luz sempre chega antes das testemunhas.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
O FIO DE LÃ
Se você queimou o
cérebro com amargura, faça-o mergulhar nas origens da vida, nas brincadeiras da
infância, e tudo florescerá como se fosse primavera.
Foi esta a dádiva que colhi no Ginásio
Alberto de Carvalho. Havia três sétimas
séries no horário noturno. Eram alunos com mais de quinze anos, que trabalhavam
de dia e à noite iam à escola para ficar longe dos pais, que eram paupérrimos e
neuróticos. Os garotos tinham mofo na pele, suas pálpebras eram escuras e
margeadas com pequenas rugas precoces, músculos contraídos que precisavam
relaxar. Eu tentava fazer com que a minha breve passagem por suas vidas fosse
uma temporada feliz, aquela que talvez eles nunca mais viessem a ter. Queria
saber que dormiriam tranqüilos ao lembrar que alguém do mundo inacessível
participava de seu mundo. Custavam a me olhar de frente. Quando o faziam, havia
nos rostos uma risada nervosa, involuntária, que denunciava uma grande
tristeza. Procurei criar oportunidades de aproximação, como na vez em que
fizemos uma festa com uma blusa de lã.
A escola não fornecia apagador, e eu nunca lembrava de comprar.
Levava pedaços de camiseta velha para limpar o quadro. Mas naquela noite havia
esquecido também o paninho. Pedi às faxineiras e elas me trouxeram um pedaço de
blusa de lã. Apagava mal e fazia um barulho áspero. Logo que bateu a campainha
indicando o fim da primeira aula, como eu soubesse que a próxima seria também
naquela classe, sentei-me na mesa e comecei a contar a
história de Sherazade. O pedaço de lã esquentava os dedos entre as fibras, até
que, enfim, encontrei o começo da meada. Puxei e senti que se soltava. Puxei
mais um pouco e o fio foi-se acumulando sobre minhas pernas. Alterei o enredo
d’As Mil e Uma Noites e comecei a falar das nossas histórias, que estavam
irremediavelmente entrelaçadas. Enfim amarrei a ponta do fio no pé da mesa e
comecei a andar pela sala, e o fio foi-se enroscando nos pescoços e braços dos
alunos. A sala inteira estava sendo enovelada, interligada pela lã, aí começou
a gritaria. Os garotos pegaram o fio e passaram a amarrá-lo uns nos outros,
alguém não se conteve e começou a cantarolar uma música caipira, outros
acompanharam, e naquela noite até a mais tímida e infeliz daquelas criaturas,
uma garota com corpo de homem e rosto desfigurado, levantou de sua carteira e
participou da balbúrdia solene.
Após vinte minutos de festa chegou o diretor e me encontrou de pé
sobre a mesa, tocando guitarra com um pedaço de carteira. Perguntou o que
acontecia. Respondi que estávamos fazendo terapia de grupo. Como ele próprio me
houvesse apresentado àquelas turmas da noite, assegurando-lhes que eu era um
professor excelente — embora ele conhecesse apenas o nome da minha família — e
como estivesse achando muito estranha e engraçada a cena a que assistia, os
alunos espalhados pela sala e embolados num longo fio azul, pôs-se a rir e
fechou a porta. A turma fizera silêncio no momento da aparição, o que nos permitiu
ouvir as gargalhadas do diretor retumbando no corredor.
Olhando os garotos, os rostos iluminados em minha frente, eu
colhia meu melhor aplauso. E a certeza de que os caminhos da luz eram tortos, e
que minhas pernas jamais se livrariam do destino de andarem sem rumo, nem lei,
nem o aconchego da aprovação, senão nos momentos fugidios do êxtase.
Ao fim daquela noite meu amigo Rubem Alves falou das coisas
escondidas, que não ousamos pronunciar, lá nas dobras esquecidas dos nossos
espíritos. Lá espreitam, grávidos de luz, túrgidos de néctar delicioso, o louco
e o poeta...
Meus músculos amoleceram ao ouvir essas palavras, os olhos
rodopiaram nas órbitas, o diálogo interior desapareceu. O néctar escorria
abundantemente pelo canto dos lábios, a luz inundava o quarto, e as imagens
pintadas nas paredes tomaram vida e vieram conversar ao pé da minha cama.
— Vamos, Chico, passe a língua pelos lábios. Perceba, não há
néctar, apenas o desejo do açúcar. Não há luz, apenas a insinuação da claridade
nas sombras. O néctar é das flores e você apenas um caule cinzento. A luz é um
feixe luminoso e você apenas um tímido raio. A vida é um fragmento da
existência que ainda não se encaixa no resto do universo!
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
A BIGORNA E A CURA
Quando eu tinha dezoito anos vi, pela primeira vez, rapazes se tocando e
se beijando num salão de danças em Curitiba. Achei aquilo bem estranho e fiquei
realmente incomodado. Eu era preconceituoso? Sei lá!
Eu já tinha visto uns caras meio efeminados em Prudentópolis, mas nunca
os visualizara aos malhos uns com os outros. O que eu sabia era que homens
amavam as mulheres e vice-versa, mas homens amando homens era uma coisa muito
nova. Até então eu só ouvira uns relatos pouco esclarecedores sobre o assunto.
Se eu era preconceituoso, precisei estudar a questão para poder me consertar!
Antes que eu cristalizasse o preconceito em meu coração, vi-me morando
numa casa de estudantes na capital, dividindo com 87 homens um prédio de quatro
andares. Pelo menos cinco daqueles homens eram homossexuais. Eram homens
tímidos, porém decentes, criativos, estudiosos, inteligentes, cultos, sinceros.
Aprendi muita coisa com deles, porém nada relacionado a sexo. Em nenhum momento
eles se insinuaram para o meu lado, nem tive com eles uma única decepção. Como
confiavam em mim, vinham com frequência me contar seus dissabores. Um deles me
disse que antes de deixar sua cidade, Lajes-SC, “quando batia a fissura”, isto
é, quando sentia vontade de transar, sabendo que não podia atacar na sua região
para não causar urticária nas “pessoas de bem”, viajava para o Rio de Janeiro.
Foi então que compreendi o grande drama que essas pessoas vivem. Não gostam
(sexualmente) de mulheres, gostam de homens, mas não podem correr atrás de seus
objetos de desejo, porque nós, os fodões, os donos do mundo, os sacos-roxos da
putaquepariu, nós rimos da cara dessas pessoas, nós os metralhamos, nós os
matamos e exterminamos. Enfim, nós destruímos essas pessoas, e por quê? Tão
somente porque eles representam um enigma que não conseguimos decifrar!
Você pode dizer que homens se beijando na praça “é uma nojeira”. Mas
isso é realmente um problema deles, ou um problema seu, que não consegue
entender o mundo dessas pessoas, ou não consegue virar o rosto para o lado e
seguir andando para cuidar da sua própria vida?
Qual é a verdade? Onde está a resposta? Qual é, na escala da ciência, a
diferença essencial entre o pirulito e a flor? São ambos elementos acessórios
do sistema reprodutor humano! Homem e mulher são duas peças do mesmo sistema, e
o pirulito e a flor só se tornaram esse terror em nossas mentes (não podemos
nem mesmo dizer em público as palavras “pinto” e “buceta” para não chocar os
caretas!) porque nós ainda somos um bando de patetas.
A natureza, mãe de tudo e de todos neste planeta, não reclama nem pune
os homossexuais. Mas no meio social dois homens não podem esfregar seus corpos
um no outro, porque assim determinam as regras sociais! Entendo. Mas você
entende que todas — TODAS! — as regras foram feitas por pessoas, e que pessoas
são seres envenenados por traumas, complexos, vícios, ódios, traições, rancores
e tristezas de todo tipo? Se você quer metralhar e acabar com todos os gays do
mundo, vá em frente. Mate-os todos! Mas o que isso terá mudado em você? Terá
obtido a grande resposta para aquela bigorna que bate em sua cabeça todos os
dias buscando respostas? Quem sou eu? Tóóóimmm! O que é ser um macho? Tóóóimmm!
O que é despertar neste mundo louco, tomar consciência da própria existência,
viver meia dúzia de décadas e desaparecer para sempre? Tóóóimmm! Quem vai curar
essas suas dúvidas?
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