O
relato é trivial, mas traz em anexo uma realidade profundamente triste. Mais de
uma vez, em minha cidade, ouvi rapazes dizendo que pretendiam se casar para
poder transar com a namorada — um deles já foi vereador e é atualmente um
respeitável comerciante.
Nesses
casos o casamento configura-se uma crueldade sem tamanho. A moça quer se casar
porque acredita ter encontrado o seu príncipe, o seu amor! Mas o rapaz só quer
um bocado de sexo e encontra no cerimonial a chave para o objeto desejado.
Muitos casais descobrem na cama suas
incompatibilidades. Mas a sociedade não permite que se deitem juntos antes da
sua chancela. Os noivos poderiam descobrir que o “amor” é uma paixãozinha de
nada, que desaparecerá ao primeiro contato físico mais intenso. Mas a sociedade
tem suas leis, e ai daqueles que ameaçam rompê-las!
Não
há criação mais bela, aos olhos de um homem, que um corpo de mulher. Aos olhos
de uma mulher, idem! A mulher bela descobre bem cedo — olhando no espelho ou
colhendo elogios — que suas linhas foram desenhadas com esmero pelo artista
sobrenatural. A partir de então, poucas bonitas escapam à tentação de dedicar
cada minuto do dia à adoração, melhoramentos e conservação da própria beleza.
Não
há razão para se pensar que a mulher bela é naturalmente burra. Sua ignorância dos conhecimentos básicos escolares —
desconsiderando aquela parcela de belas-cultas-poderosas — deve-se quase sempre
ao fato de passar a vida olhando para si mesma, em vez de olhar os livros. E
com isso consome sua existência, até o instante da descoberta inevitável: o
tempo passou e a beleza se foi!
A
partir desse momento trágico, as que pescaram maridos ricos vivem na folga e
podem conservar o charme por mais alguns anos. Mas aquelas que trabalham duro
terão de encontrar novos caminhos para justificar sua passagem terrena. Nisso
se assemelham à maioria dos homens: vivem com os pés na terra, a grande fonte
de conhecimento!
Quanto
ao homem que se deixou seduzir pela jovem bela, dizendo-se apaixonado por ela,
terá de buscar novos argumentos para justificar o amor. O que era mesmo o amor?
O desejo de estar com ela, na presença daquele mimo, daqueles traços
irretocáveis, daquela pele de pêssego!? Mostrar para os amigos aquela conquista
fazia parte do pacote do amor. Deleitar-se com aquela figura graciosa tirando-lhe
as roupas, usufruir daquela deusa magra e consistente, sentir o seu calor,
experimentar o seu sumo, morder a sua carne cheirosa! Era isto o amor? Mas e
quando toda a beleza desaparecer? Se ela ficar velha e feia, será igualmente
amada? Essa é uma pergunta que corre o mundo desde o tempo dos faraós, e os
homens estão sempre fugindo dela. Pois todos sabem que a resposta é uma
bofetada na sua estrutura moral!
Sabemos
que raríssimos homens permanecerão ao lado de uma mulher doente, velha e feia sem
um sentimento de fracasso. Talvez alguns consigam obter o mesmo prazer daquela
presença, se a pele da mulher amada estiver descorada, seus dentes amarelados,
os cabelos ressequidos e quebrados, a tez manchada, as pernas alteradas e
trôpegas, a gordura acumulada em todos os hemisférios. O mesmo desejo de
abraçá-la, o mesmo ímpeto de contar a ela as novidades, a mesma vontade de
fazer uma viagem e construir uma casa de praia num paraíso tropical! Será isso
o amor? Teremos de chegar ao extremo oposto do “casal perfeito” para entender
que realmente nos amamos?
Somente
os velhos sabem, porque o tempo passou e o amor já concedeu todas as provas.
Amar uma moça bonita é fácil. Mas não é amor de verdade, é somente desejo e
vaidade, com raras e belas exceções. A conquista da jóia nos empresta o seu
brilho, da fruta o seu sabor. Quando o brilho e o sabor tiverem desaparecido
restará a brisa e o vento tempestuoso no coração daqueles que de fato se amam.
Um
amor de verdade, sim, eu o vi muitas vezes. Naqueles velhos que andam pelas
calçadas da minha cidade, que param de quando em quando para mostrar nos
jardins da vizinhança os tufos de flores. Ela se abaixa para afagar a cabeça de
uma cachorrinha fofa, depois se levanta e abraça-se ao velho, que torna a apanhar
a sua mão. Depois seguem sem medo das horas que se dissipam.
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