domingo, 19 de abril de 2009

Sem classe

Nasci assim, sem classe,
sem tique, sem passe,
para o seu etiquetado coração.

Dias atrás fui cobrar uma conta do Euclides, meu antigo professor de matemática. Há meses ele vem me enrolando. Agora saiu-se com esta:
— Você sabe, Chico, a minha família, como a tua, você sabe, somos da classe média baixa e...
Passou então a uma lengalenga sobre cheques voltando, salário em atraso, a saúde da sogra, o batizado da neta. Escutei uns trechos recortados, enquanto repicava nas bordas ovais do meu crânio... classe média, classe média baixa! Será que o Euclides realmente acredita nisso, ele, um sujeito tão inteligente!?
Talvez eu pareça arrogante, mas não me venha com essa de classe, Euclides. Se quiserem, botem o meu número na lista, minha fotografia na lápide, enterrem meu corpo na vala comum, façam o que quiserem lá entre vocês com meus despojos. Mas não me venham dizer que sou da classe... que história é essa de classe?
Classe, é uma coisa criminosa falar dela e ainda mais acreditar nela. Tem os podres de ricos, os meio ricos, os pobres e os miseráveis. Mas como entrou na cabeça dessas pessoas uma tal fé em classes? Classes não se comunicam, são estanques, limitadas por cifras, ou pela falta delas. Classes não caminham, apenas se dispersam. Não somam, apenas amontoam. Não dividem, apenas estilhaçam.
Vejo olhos de antigos correligionários me espiando nas esquinas, enquanto converso sem culpas com o dono do carro chique conversível sobre a última conquista do vôlei brasileiro. Olhos ainda mais aflitos estão os da dona do cartório quando me flagra sentado ali na frente da banca de sorvete tomando cerveja com carregadores braçais. Talvez acredita que eu deveria ser um sujeito requintado, já que sou das letras e amigo da sua família. Mas estou de chinelas e camisa amassada, preocupado menos com a elegância das lhamas que trançam pernas pela avenida feito Giseles Bünchens, mais extasiado com a elegante retirada do sol entre os galhos do cedro da praça.
Classe é para os nobres, que precisam de corpos caídos para sustentá-los na montanha. Classe é dos que se entregaram ao vício do lamento, dos que se renderam ao instituto do homem burocrático, dos que aceitaram a humanidade como segmento isolado de um todo dinâmico que se remonta a cada década.
Abaixe a cabeça para a passagem da nobreza. Morra todos os dias no vazio do seu saldo bancário. Acredite na mesquinhez dos papéis que te põem definido, pronto e isolado feito um boneco de vitrine. Acredite no jogo e no veredicto que te faz medíocre e derrotado pelas regras sagradas de homens infalíveis. Amontoe-se na classe dos mortos enquanto a caravana passa, abaixe a cabeça e ela estará para sempre decepada.
Não, Euclides, não sou de classe, nem alfa, nem beta, nem gama. Sou completamente sem classe, e se vier um janota de nariz empinado para o meu lado, leva uma bicuda.

2 comentários:

Blóggico disse...

Sensacional Chico. Teus escreveres estão cada vez mais poderosos. Comentário de quem entende do riscado. Modéstia inclusa.
Abraços
Rodrigo

Ronel Corsi disse...

"Chico somos tripulantes do mesmo planeta"


Organizamos, abordamos, adequamos, enxergamos o fenômeno, pregamos, qualificamos
abordamos, interrogamos,
adequamos, formulamos,educamos.

Continuamos sem classe. Como diz o Deputado Vanhoni, Sobre a classe Artistica Cultural, possam se manifestar colocar suas visões.
As mudanças são muitas no Brasil, não entendido a centralidade da cultura. A cultura no Brasil não tem o estate que deveria, ter como um direito público dos cidadãos brasileiros.

Comentário: Falava-se de forma ridicularizada
(sem classe)quando se referia ao meio ambiente. Hoje mudança de conduta. não há ninguem que venha ridicularizar esta afirmativa.
(com classe).

Debate deste ano, abre uma discusão pública com a sociedade que tem dirigismo da proposta de governo: Abrir o debate para a cultura , "Mudança de Atitude", parte constituida para se formar uma cidade criativa e alegre.Fazer a Arte Brasileira acordar, políticas públicas pendentes para se construir a arte tão rica e tão diversa.

Uma pequena Reflexão sem classe.


Um abraço: Ronel Corsi