sábado, 2 de maio de 2009

O mercador de Veneza e o nó górdio

Neste período medieval em que estamos, com marechais enviando tropas e navios à conquista dos “pagãos” do Oriente Médio, como nos tempos de Alexandre e das Cruzadas, os velhos conhecimentos, tão necessários ao crescimento da humanidade, estão novamente abandonados. 


Não gosto de pensar que os antepassados possuíam soluções melhores que as nossas. Mas às vezes precisamos voltar a Alexandre Magno, ou a Shakespeare, para descobrir onde está o nó que travou nosso crescimento ético e espiritual.

Quando o conquistador macedônio cortou o nó górdio, não estava somente encontrando uma solução inusitada a um problema difícil. Estava abrindo a possibilidade de retroceder, sempre que necessário, a um estado selvagem, onde a lei se torna apenas uma palavra. Havia um enigma a ser decifrado, criado como elaboração do espírito, como cultura. Sentindo-se incapaz de desvendar, pela inteligência, destruiu o mistério com sua espada. Uma brincadeira de imperador, que tudo fazia para a felicidade dos súditos, mas as repercussões foram dramáticas. 

Talvez sejam poucos os conquistadores que realmente conheceram a história de Alexandre, mas temos visto, ao longo de “nossa história humana”, muitos deles usando a espada, antes da inteligência. Incapazes de imaginar soluções pacíficas, inteligentes e éticas para desfazer o nó, enviam navios, aviões, bombardeiros, e destroem cidades e países.

Shakespeare também ensina, com seu Mercador de Veneza, por que países como o Brasil não conseguem encontrar o caminho da paz. O personagem judeu da história havia conquistado o direito de tirar uma lasca do corpo do mercador, após uma aposta perdida por este. Embora parecesse absurdo e desumano, o credor queria exercer seu direito, e sabia que o Estado, representado neste caso por seus juízes, não o impediria, pois perderia o respeito da população. Era mais desejável um Estado conivente com uma crueldade legalmente praticada, que um Estado generoso e frouxo, incapaz de respeitar suas próprias leis. O mercador estava na praça, o judeu já afiava a faca e se lançava impiedoso para colher seu naco de carne, mas acabou sendo obstruído pelo gênio retórico de Shakespeare.

Em algum momento da história humana brasileira, algum dos nossos estadistas abriu as comportas para a ilegalidade, e depois disso, como controlar a turba furiosa? Ou, talvez, desde o início da colonização, nenhum estadista mostrou-se disposto a fazer valer a lei neste país, por isso já nascemos corrompidos, brutos e selvagens. 

Confesso que sempre fui avesso a leis. Prefiro viver como um selvagem que programa a vida ao seu bel prazer (ainda que submisso às “leis do mercado”). Mas noto que a maioria da população gostaria de viver o conforto de um Estado Legal, onde todas as leis fossem realmente cumpridas. Mas quando os juizes deixam de efetivar a prisão dos congressistas corruptos, dos empresários ladrões, dos executivos desonestos, ou mesmo da delicada mocinha que planejou o assassinato dos próprios pais, o Estado perde sua moral e ninguém mais precisa respeitar a lei.

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