sábado, 16 de maio de 2009

Os abacaxis de Prudentópolis

O pernambucano estava entrando em desespero, com o caminhão lotado de abacaxis cheirando a maduro, estacionado diante do depósito de cebolas do meu pai. Tinha levado cano de um comerciante de Ponta Grossa, viajando mais de mil quilômetros para descobrir que o comprador havia fechado as portas naquela mesma semana. Meu pai, acostumado a abandonar-se ao apelo das emoções alheias, e em busca das suas próprias, propôs ao desesperado que trocassem os abacaxis por uma carga de cebola. Os olhinhos do pernambucano brilharam, e mais que depressa foi providenciado o escambo. Mudamos os abacaxis de carroceria, depois jogamos os sacos de cebola  no caminhão do nordestino, prontinhos para serem vendidos lá no Recife.

Mal partiu o pernambucano, saímos meu pai e eu para vender os abacaxis, ele na boléia, eu com doze anos em cima da carga, sentindo aquele cheiro gostoso dos abacaxis, que já estavam derretendo de maduros. O vento fresco da manhã batia em meu rosto e me fazia o mais bem-aventurado dos meninos da Terra sobre a carroceria do velho F-600.

Meu pai tinha amigos em todas as esquinas da cidade, e se sentia livre para chegar buzinando na frente das casas, de onde mulheres, mocinhas e homens crescidos saíam, já com a bacia e a sacola na mão. Meu pai providenciava para que todos ficassem sabendo a exótica origem das frutas. Enternecidos com aquela imensa generosidade prestada a um desconhecido, e querendo aproveitar a oferta, que não aparecia por ali todos os dias — as bodegas da vila só vendiam bananas — nossos clientes pediam mais e mais, voltando para casa com as bacias e sacolas cheias.

Passava do meio dia quando meu pai puxou do facão atrás do assento, decidido a experimentar um abacaxi. Pediu que eu lhe alcançasse o maior e mais maduro. Escolhi no monte um bem gordo, com os gomos já passando do amarelo para o laranja, dei uma boa cheirada, senti aquele gosto forte que jamais havia tocado minhas narinas, e alcancei para o meu velho. Ele rasgou com displicência a casca grossa, deixando escorrer o sumo pelo fio comprido do facão, tirou alguns pedaços grandes e distribuiu aos circunstantes. Atiçados pelo aroma da fruta madura, os fregueses avançaram, e logo meu pai tinha nas mãos nada mais que o caroço — sabe-se lá como se chama aquele miolo duro que sobra dos abacaxis!

O sol continuava em marcha, e meu pai queria aproveitar o dia, fazendo o maior número de casas possível, sem correr o risco de perder a carga, que já começava a derreter e fazer água sobre a carroceria. A venda continuou pela tarde, e eu sequer atinei com a possibilidade de abrir com as unhas aquela casca de jacaré, tão áspera ao toque, tão dura, guardadora de um sabor que aquele cheiro acidoce não disfarçava, com o calor fazendo arder sobre a carroceria o meu desejo. Mas o sorriso de contentamento de meu pai era como um vento de felicidade que apaziguava a minha fome, pela sorte de recuperar com sobras o investimento incerto, mas principalmente porque se sentia um aventureiro nestas horas de sua ousadia, capitão de sua própria vida, senhor dos seus sonhos, construtor de suas próprias esperanças.

Quando lhe alcancei o último dos abacaxis, ele perguntou “sobrou algum aí pra nós?”, respondi “nem pro cheiro!”, e ele soltou a mais sonora das gargalhadas.

Um comentário:

Eu, sem clone disse...

Mas que linda historia! "Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas"! E foi assim que vocês ficaram apenas com o cheiro do abacaxi. Vou linkar seu blog. bjs