O pernambucano estava entrando em desespero, com o caminhão lotado de abacaxis cheirando a maduro, estacionado diante do depósito de cebolas do meu pai. Tinha levado cano de um comerciante de Ponta Grossa, viajando mais de mil quilômetros para descobrir que o comprador havia fechado as portas naquela mesma semana. Meu pai, acostumado a abandonar-se ao apelo das emoções alheias, e em busca das suas próprias, propôs ao desesperado que trocassem os abacaxis por uma carga de cebola. Os olhinhos do pernambucano brilharam, e mais que depressa foi providenciado o escambo. Mudamos os abacaxis de carroceria, depois jogamos os sacos de cebola no caminhão do nordestino, prontinhos para serem vendidos lá no Recife.
Mal partiu o pernambucano, saímos meu pai e eu para vender os abacaxis, ele na boléia, eu com doze anos em cima da carga, sentindo aquele cheiro gostoso dos abacaxis, que já estavam derretendo de maduros. O vento fresco da manhã batia em meu rosto e me fazia o mais bem-aventurado dos meninos da Terra sobre a carroceria do velho F-600.
Meu pai tinha amigos em todas as esquinas da cidade, e se sentia livre para chegar buzinando na frente das casas, de onde mulheres, mocinhas e homens crescidos saíam, já com a bacia e a sacola na mão. Meu pai providenciava para que todos ficassem sabendo a exótica origem das frutas. Enternecidos com aquela imensa generosidade prestada a um desconhecido, e querendo aproveitar a oferta, que não aparecia por ali todos os dias — as bodegas da vila só vendiam bananas — nossos clientes pediam mais e mais, voltando para casa com as bacias e sacolas cheias.
Passava do meio dia quando meu pai puxou do facão atrás do assento, decidido a experimentar um abacaxi. Pediu que eu lhe alcançasse o maior e mais maduro. Escolhi no monte um bem gordo, com os gomos já passando do amarelo para o laranja, dei uma boa cheirada, senti aquele gosto forte que jamais havia tocado minhas narinas, e alcancei para o meu velho. Ele rasgou com displicência a casca grossa, deixando escorrer o sumo pelo fio comprido do facão, tirou alguns pedaços grandes e distribuiu aos circunstantes. Atiçados pelo aroma da fruta madura, os fregueses avançaram, e logo meu pai tinha nas mãos nada mais que o caroço — sabe-se lá como se chama aquele miolo duro que sobra dos abacaxis!
O sol continuava em marcha, e meu pai queria aproveitar o dia, fazendo o maior número de casas possível, sem correr o risco de perder a carga, que já começava a derreter e fazer água sobre a carroceria. A venda continuou pela tarde, e eu sequer atinei com a possibilidade de abrir com as unhas aquela casca de jacaré, tão áspera ao toque, tão dura, guardadora de um sabor que aquele cheiro acidoce não disfarçava, com o calor fazendo arder sobre a carroceria o meu desejo. Mas o sorriso de contentamento de meu pai era como um vento de felicidade que apaziguava a minha fome, pela sorte de recuperar com sobras o investimento incerto, mas principalmente porque se sentia um aventureiro nestas horas de sua ousadia, capitão de sua própria vida, senhor dos seus sonhos, construtor de suas próprias esperanças.
Um comentário:
Mas que linda historia! "Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas"! E foi assim que vocês ficaram apenas com o cheiro do abacaxi. Vou linkar seu blog. bjs
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