quarta-feira, 13 de maio de 2009

O URSO DO MAMBA

Se você ainda consegue despregar os olhos desses ícones de out-doors, onde o valor das almas é medido pela beleza do conjunto, então posso lhe revelar um segredo. O Mamba existe, tem algo em torno de vinte anos e possui uma qualidade que jamais se verá inscrita numa placa publicitária. Mamba cultiva, talvez sem saber, a famigerada bondade, virtude há muitos anos expulsamos de nosso vocabulário.

Esse meu amigo não tem disfarce. Somente óculos grandes que lhe realçam os olhos já abertos por natureza, e uma barba longa e espessa, que arredonda seu rosto, tornando-o ainda mais semelhante a si mesmo. O andar lento é de um elemento pacificado, como filho do chão que jamais teve impulso de voar. É verdade que se realiza deixando soltos os cabelos longos e negros, e vê-se que tira prazer de uma lufada de vento. Mas no conjunto é um grande urso, feito em si mesmo ao seu bel prazer com a argila e o cinzel da oficina de seu pai.

Está sempre disposto a levantar uma palha do chão, ajudar na mudança, apertar os parafusos do guarda-roupas. Sempre pronto a dar uma carona, distribuir um sorriso, mandar uma carta de aniversário. Digo carta, pois o Mamba não economiza palavras quando quer nos mostrar que vale a pena completar mais um ano, selar um casamento, rezar uma missa de sétimo dia, passar no concurso da polícia ou qualquer coisa que exija devoção.

Sua bondade enche as ruas, feito uma nuvem lilás de sombras violetas, que se deposita nos muros, nas folhas dos arbustos e nas bordas dos narizes dos homens de negócios. Eles seguem suspirando, sem saber que estão tocados pelas novas cores da cidade, sem se dar conta de que poderiam nestes momentos penetrar o impagável sublime “estar no mundo”.

Quando perguntei qual era o segredo de tamanha serenidade, Mamba apertou os lábios, estalou os olhos, deixando notar que se preocupava em dar-me uma resposta imediata. Sem dizer nada, foi até sua mochila de cem litros, que sempre traz nas costas e deixa encostada na soleira, e abriu o zíper.

— Foi ele — disse-me, puxando um espesso tecido de veludo marrom. — Eu não sei como te dizer, mas sei que foi ele — completou, terminando de tirar da mochila um grande filhote de urso pardo, que se chacoalhou feito um cachorro molhado e começou a andar em círculos pela sala.

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