Apesar de toda a grita dos valentes pescadores — que se entretinham contando as imperícias uns dos outros e as vantagens de si mesmos, o que significava menor e maior capacidade para manejar um barco a remo, menor ou maior destreza ao lançar um molinete, menor e maior habilidade para fisgar um piau ou um mandi — eu percebia que o mais que conseguíamos traduzir, além da nossa evidente infantilidade, era aflição. Um desejo de provar a todo instante o quanto éramos poderosos perante a fraqueza e a inabilidade dos outros. Mas havia entre nós aquele que a tudo observava, e que sobre todas as coisas mantinha um sorriso de plena satisfação. Não havia manejado o barco e o molinete, não havia pescado nada, não havia contado nenhuma vantagem, mas estava absolutamente seguro de ter feito a coisa certa. Tio Michaelys entregava o melhor de si para que nossa turma pudesse se divertir com aquilo que sabíamos fazer de melhor: valentias, trapaças e gabolices.
Nos anos seguintes encontrei outros como meu tio, aqueles que lavam a louça da churrascada enquanto os outros jogam baralho e mostram o quanto são homens. Também encontrei aqueles que se entregam a causas perdidas, enquanto outros aproveitam a perdição da causa para obter grandes lucros. Então compreendi que a entrega põe vida às nossas almas egoístas e enferrujadas. Todos os nossos problemas desaparecem enquanto lavamos a louça e os outros disputam o melhor pedaço da sobremesa. Muitos abnegados cidadão, que lutam pela justiça e que nunca irão a Dallas gastar dólares obtidos na ilegalidade, estarão plenamente satisfeitos consigo mesmos, enquanto os homens-guris passam a vida se ferindo para mostrar o quanto são fortes e espertos!
Um comentário:
Hay, como vai Chico?
Vejo que ainda martela pianos pelos corredores...
abraço
João Salvador
joao@zuton.com.br
Postar um comentário