Se você é proprietário de uma frota desses ônibus intermunicipais superconfortáveis, eu o convido para uma viagem de duas ou três horas numa dessas maravilhas, para que você possa desfrutá-la pessoalmente.
Nesses dias frios você terá a oportunidade de entrar no veículo lotado, vindo da cidade vizinha, e sentirá com grande prazer aquele bafo quente dos passageiros. Está ali o verdadeiro significado do calor humano. As largas vidraças panorâmicas estão embaçadas com o hálito úmido dos companheiros de viagem, que se mistura ao aroma delicioso que vem lá da privada. Completando o coquetel aromático, um quê de naftalina, que procede de algum local inespecífico, e a bergamota, o almíscar e o sândalo vencidos misturados a várias nuances de suor antigo. Aquele ar gostoso fica circulando de narina
Também há aquelas tardes de calor, em que a gente entra no ônibus de camiseta, senta-se e dorme. Enquanto sonha que está fazendo turismo no lixão municipal, o ar condicionado vai extraindo o calor ambiente, vai circulando a fedentina de sempre, e quando você acorda parece que está na Patagônia, gelado, o nariz coçando, preparando-se para a gripe do dia seguinte. Enquanto isso, duas ou três crianças, nauseadas com a fragrância de rosas do veículo, já estão enchendo os pacotes, ou o corredor — quando não dá tempo de vomitar nos pacotes, e aí está feito o clima para a viagem no ônibus superconfortável da sua companhia supermoderna.
Obviamente, você dorme só depois que o filme acaba. Porque nos ônibus supermodernos tem TV e filme de serial killer, para que todas as crianças viajantes possam entender desde cedo de que madeira são feitos os adultos. Isso quando não é filme de terror, para as crianças perderem bem cedo o medo das pegajosas criaturas do Além. Você pode estar cansado e aborrecido, querendo tirar uma soneca antes de chegar ao destino, mas a telinha está instalada bem à sua frente, espalhando cultura americana, mostrando o quanto o herói do FBI é competente cortando o fio azul sempre no último instante para impedir que a bomba estoure no coração de Nova York. O mocinho beija a mocinha, toca a música romântica e você tenta respirar aliviado, mas não dá. Só se botar o nariz por dentro da camiseta.
Perceba, amigo empresário, como tudo ficou mais emocionante com toda essa tecnologia. E ainda tem gente com saudades daqueles ônibus antigos, nos quais se podia curtir uma viagem silenciosa, abrir a janela quando o vizinho ao lado estava com flatulência depois de comer maionese na casa da sogra. Ou abria-se a janela apenas para sentir o vento no rosto quando era verão. Agora, com as janelas fechadas, ou melhor, sem janela alguma, você não é mais obrigado a dar adeuzinho para a família da esposa, senão através do vidro. E aquela história de entregar um pacote de biscoito de última hora, ou uma fotografia, uma lembrancinha, isso é coisa do passado.
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