Nascemos
carecas, pelados e ignorantes,
diz a sabedoria popular. Cada vez que uma criança vem à luz, deve fazer um novo
reconhecimento do universo, uma nova constatação das possibilidades humanas.
Seria ótimo se o conhecimento passasse de pai para filho através do sangue, dos
genes! Não precisaríamos sofrer todas aquelas dores do aprendizado. Nasceríamos
cada vez mais preparados para usufruir as graças da natureza, da cultura e da Ciência.
A escola está aí para
facilitar esse processo, mas as coisas não estão funcionando também ali, no
centro repassador de conhecimentos. Como qualquer outra instituição, a escola
começa acreditando numa idéia, e depois apresenta uma tremenda dificuldade para
livrar-se dela, ou para estendê-la ao alcance de outras idéias mais elaboradas.
A escola ocidental trabalha há séculos na firme convicção de que o único
aprendizado possível ocorre no cérebro.
Apesar de toda a
retórica em torno da necessidade de praticar-se a interdisciplinariedade,
ou mais, a transdisciplinariedade, palavras que enchem a boca dos
acadêmicos, os nossos estudiosos parecem ignorar que a criatura humana realiza-se
em muitas outras disciplinas além das escolares, ou que a estrutura humana é
muito mais complexa do que essa lógica simplista em que está baseada a cultura
européia. A natureza humana é feita de corpo, mente e sonhos. E mais algumas
coisas que estamos para descobrir num milênio próximo.
A maior dificuldade
dos professores em sala de aula é convencer os alunos de que a substância
intelectual que tentam lhes enfiar na cabeça é melhor que o sorvete, o beijo, o
perfume, a música, a paisagem, o jogo virtual. O conhecimento lógico, no
qual nos baseamos desde Sócrates, costuma ser árido, salgado, desagradável. É
natural que o jovem recuse, pois quer o melhor para si. Ele quer o doce que
encontra nas relações com os colegas, não o salgado, e muito menos o azedo das
fórmulas científicas!
A opção pelo cérebro
acontece devido à sua qualidade de distinção, que dá aos homens o poder sobre
as outras criaturas. Se é o intelecto que destaca o homem, concentremo-nos nele!
Mas a partir dessa prática, nossos sentidos corporais estão tornando-se cada
vez mais atrofiados. Ilude-se quem pensa que os estudantes de hoje só pensam
“prazer, prazer”! O prazer que eles estão fruindo é extremamente
conceitual, intelectualizado. Poucos descem os degraus da civilização para
colher os frutos selvagens, as verdadeiras delícias, a torta da maçã de Eva!
Quando se trata do
corpo, a escola sabe instruir os alunos a fazer ginástica para aprimorar os
músculos. Preferimos esquecer que todo conhecimento, antes de chegar ao
caldeirão cerebral, passa pelos sentidos físicos. Isto é um conhecimento tão
antigo quanto a nossa civilização, mas qual escola tem-se empenhado em ajudar
os garotos a reconhecer, a desvendar e a promover sua sensibilidade corporal?
No máximo, fala-se da estrutura das papilas gustativas, da fisiologia dos
olhos, dos labirintos auditivos. Mas onde está o professor que ensina ao aluno
a maravilha do olhar? Qual mestre leva para a sala uma vitrola ou micro
system para escutar Mozart ou Rolling Stones?
Limitamos nossos
sentidos ao que eles nos dão cotidianamente. Ouvimos distraidamente uma música
no rádio, ou passamos o dia “jogando conversa fora”. Sentimos o perfume de um
jardim distante e sequer tentamos descobrir qual flor o emana. Deixamos a cargo
de uma violenta publicidade decidir qual produto do boticário será mais
agradável ao cérebro do parceiro do sexo oposto. Mas a disciplina do olfato,
onde está? Os meninos aprendem que nariz e cérebro em conjunto decifram a
imensa gama de aromas, mas não têm o privilégio de descobrir a impressionante ciência
da perfumaria, as misturas dos odores, muito menos a importância do sentido do
olfato na fixação da memória.
Não há nada mais
nefasto à saúde humana (corporal, mental e espiritual) que a supressão da
liberdade de pensar e de sentir. Quando a criança está aprendendo a elaborar
seus sonhos, a escola vem com uma metralhadora, disparando análise sintática,
orbitais logaritmos! Mas quanto desse conhecimento utilizamos fora da sala de
aula? Fico imaginando que espécie de homem foi capaz de criar a regra que
diferencia um hiato de um ditongo!
Para a escola, o ser
humano é feito de um cérebro vivo e um corpo morto. Quando se fala de educação
sexual, toma-se o cuidado de explicar aos pequenos os nomes científicos dos
genitais — já que os apelidos desses órgãos, como os garotos os conhecem
cotidianamente, é besteira, para não dizer pecado (e lá vem
novamente a Igreja para estragar tudo). Também se fala sobre a prevenção de
doenças, as funções reprodutoras, mas ninguém comenta ou discute com a gurizada
o prazer — ou o desprazer — do ato sexual. Qual revolucionário mestre um dia
terá a coragem de pronunciar o verbo gozar em sala de aula? Mas ele
teria de se ver com a diretoria, então, é melhor que fique quieto. A diretoria
só aprova se falar de sofrimento, pois está previsto no Livro Sagrado.
Há muito tempo sabemos
que a função sexual, quando reprimida, leva a grandes desastres pessoais. E
ninguém ignora que pessoas de doze anos em diante estão muito mais interessadas
nos lábios, nos cabelos e nas pernas da(o)s colegas que na resolução dos
enigmas matemáticos. A verdade está aí, diante dos nossos olhos, mas preferimos
escondê-la sob o manto do pudor e a religiosidade.
Apesar dos corpos à mostra, da imensidão de
seios, bundas e outras maravilhas que podemos encontrar num simples abrir de windows, nossos tabus crescem
mais do que repolhos. Preocupada com o inevitável pendor humano a extremar-se
nesse campo onde se mistura o prazer, a dor, o desespero e até a morte, a
sociedade organizada legou às escolas a responsabilidade de explicar aos jovens
como funciona,
naquelas tediosas aulas de educação sexual — as quais, se não me engano, foram
coerentemente devolvidas à gaveta de projetos na primeira oportunidade.
Não há nada mais inútil numa escola
que professores estressados, tentando vencer o currículo programático ditado pelo governo. Grande parte desses
profissionais seriam corretamente substituídos por psicólogos capazes de ter
com os alunos uma conversa franca sobre suas carências e seus desejos mais profundos,
aquilo que realmente importa para pessoas que têm entre doze e dezoito anos.
Alguns outros profissionais, versados em Ciências, poderiam ser utilizados, não
para repassar aquelas fórmulas e teorias que os alunos esquecem tão logo
abandonam a sala, mas para mostrar a beleza e o mistério manifestado nos
mínimos fenômenos naturais, como o desenvolvimento de uma semente e a explosão
de uma estrela.
Transformamos em banalidades as
maravilhas que ocorrem debaixo de nossos narizes e a escola confirma: as
experiências adquiridas pelos alunos fora dos muros da instituição não possuem
qualquer valor, pois não podem ser enquadradas em fórmulas e não estão
incluídas no currículo programático. Uma semente de feijão, fosca, marrom e sem
graça, escondida na terra, converter-se numa inflorescência espontânea,
colorida e vibrante, pede algo mais que uma mera explicação de como se
reproduzem as dicotiledôneas. Mas qual professor fala da poesia desse fenômeno
extraordinário? Um corpo de tetas, brotado de outros corpos, assumindo
individualidade e caminhando-se para saciar os estímulos provocados por outros
corpos, é muito mais do que explicam os livros de fisiologia médica.
Escolas que pretendam formar boas
consciências devem atentar para o que destaca um cidadão de fato de um robô. A
matemática, a química e a física não criaram pessoas melhores. Proporcionam
conforto material, mas atulharam nossas mentes com imagens febris e ruídos
ensurdecedores.
As grandes vítimas das nossas omissões, como sempre, são os mais fracos,
os jovens. E mais recentemente, as crianças, que também sentem o bombardeio.
Não conversamos de verdade com eles, porque perdemos o contato. O tecido social
torna-se cada vez mais amarrado nos velhos dogmas, mostrando rupturas aparentes
para satisfazer os mais inquietos, mas tramando nas profundezas contra qualquer
manifestação de luminosidade fora dos arquétipos do mercado. A leitura espontânea, a percepção
poética, a descoberta do maravilhoso nas coisas simples, têm feito equilibrar o
gráfico da nossa humanidade, enquanto o programa escolar o empurra para baixo.