sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

MINHA CAMISA BRANCA

Fui passar minha camisa branca, que usei somente duas ou três vezes,  e percebi que ela tem umas manchas. Certamente porque misturei-a na máquina com outras camisas. São manchas  tênues, quase imperceptíveis, mas serão notadas por uma boa observadora — e boas observadoras são todas as mulheres do mundo! Resta saber se vou dispensar a camisa, ou se continuarei usando-a somente à noite, onde manchas não são percebidas. Também posso guardá-la junto àquelas camisas velhas, que uso nas aventuras mateiras.
Você já notou como as camisas são parecidas com a gente? Não por acaso, a maioria das pessoas prefere os tons pardos. Não somente nas camisas, mas também no caráter e no comportamento. Nas camisas e nas almas escuras as manchas não aparecem, mesmo à luz do sol! Podemos cometer um ou outro crimezinho, como roubar na balança e surrupiar o dinheiro da merenda escolar. Todo mundo sabe que fazemos isso, mas e daí? Nossa alma é cinzenta, opaca, e uma manchinha a mais não vai fazer diferença! Uma pessoa de alma branca tem o privilégio de brilhar por um instante, mas um respingo de suco de laranja, um pedaço de tomate que escorrega do prato, e pronto, aquela brancura inaugural já está maculada e perde de uma vez todo o seu esplendor. Resta andar pela penumbra, viver na noite, onde caminham tantos outros com suas manchas grandes e pequenas. Ou passar uma tinta escura. Mas todos saberão que essa alma, como a camisa, foi adulterada, que não é essa a sua natureza. E pior, a cada lavada sairá um bocado daquela tintura, mas ela nunca conseguirá recuperar aquele tom inicial, o branco brilhante, o caráter imaculado, a completa ausência de manchas em sua personalidade.

Mas há outras possibilidades para quem quer passar sem manchas por este mundo. Recomento que troque sua alma sempre que sentir que ela foi maculada. Jogue fora todas as más experiências e experimente-se como pessoa nova. Mude o apelido, mude de cidade, conheça novos amigos, esqueça os velhos bordões, aproprie-se de novos conhecimentos, jogue fora todos os conceitos. Compre uma nova camisa branca e imaculada...

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

sábado, 25 de janeiro de 2014

ESCOLA CEREBRAL

Nascemos carecas, pelados e ignorantes, diz a sabedoria popular. Cada vez que uma criança vem à luz, deve fazer um novo reconhecimento do universo, uma nova constatação das possibilidades humanas. Seria ótimo se o conhecimento passasse de pai para filho através do sangue, dos genes! Não precisaríamos sofrer todas aquelas dores do aprendizado. Nasceríamos cada vez mais preparados para usufruir as graças da natureza, da cultura e da Ciência.
A escola está aí para facilitar esse processo, mas as coisas não estão funcionando também ali, no centro repassador de conhecimentos. Como qualquer outra instituição, a escola começa acreditando numa idéia, e depois apresenta uma tremenda dificuldade para livrar-se dela, ou para estendê-la ao alcance de outras idéias mais elaboradas. A escola ocidental trabalha há séculos na firme convicção de que o único aprendizado possível ocorre no cérebro.
Apesar de toda a retórica em torno da necessidade de praticar-se a interdisciplinariedade, ou mais, a transdisciplinariedade, palavras que enchem a boca dos acadêmicos, os nossos estudiosos parecem ignorar que a criatura humana realiza-se em muitas outras disciplinas além das escolares, ou que a estrutura humana é muito mais complexa do que essa lógica simplista em que está baseada a cultura européia. A natureza humana é feita de corpo, mente e sonhos. E mais algumas coisas que estamos para descobrir num milênio próximo.
A maior dificuldade dos professores em sala de aula é convencer os alunos de que a substância intelectual que tentam lhes enfiar na cabeça é melhor que o sorvete, o beijo, o perfume, a música, a paisagem, o jogo virtual. O conhecimento lógico, no qual nos baseamos desde Sócrates, costuma ser árido, salgado, desagradável. É natural que o jovem recuse, pois quer o melhor para si. Ele quer o doce que encontra nas relações com os colegas, não o salgado, e muito menos o azedo das fórmulas científicas!
A opção pelo cérebro acontece devido à sua qualidade de distinção, que dá aos homens o poder sobre as outras criaturas. Se é o intelecto que destaca o homem, concentremo-nos nele! Mas a partir dessa prática, nossos sentidos corporais estão tornando-se cada vez mais atrofiados. Ilude-se quem pensa que os estudantes de hoje só pensam “prazer, prazer”! O prazer que eles estão fruindo é extremamente conceitual, intelectualizado. Poucos descem os degraus da civilização para colher os frutos selvagens, as verdadeiras delícias, a torta da maçã de Eva!
Quando se trata do corpo, a escola sabe instruir os alunos a fazer ginástica para aprimorar os músculos. Preferimos esquecer que todo conhecimento, antes de chegar ao caldeirão cerebral, passa pelos sentidos físicos. Isto é um conhecimento tão antigo quanto a nossa civilização, mas qual escola tem-se empenhado em ajudar os garotos a reconhecer, a desvendar e a promover sua sensibilidade corporal? No máximo, fala-se da estrutura das papilas gustativas, da fisiologia dos olhos, dos labirintos auditivos. Mas onde está o professor que ensina ao aluno a maravilha do olhar? Qual mestre leva para a sala uma vitrola ou micro system para escutar Mozart ou Rolling Stones?
Limitamos nossos sentidos ao que eles nos dão cotidianamente. Ouvimos distraidamente uma música no rádio, ou passamos o dia “jogando conversa fora”. Sentimos o perfume de um jardim distante e sequer tentamos descobrir qual flor o emana. Deixamos a cargo de uma violenta publicidade decidir qual produto do boticário será mais agradável ao cérebro do parceiro do sexo oposto. Mas a disciplina do olfato, onde está? Os meninos aprendem que nariz e cérebro em conjunto decifram a imensa gama de aromas, mas não têm o privilégio de descobrir a impressionante ciência da perfumaria, as misturas dos odores, muito menos a importância do sentido do olfato na fixação da memória.
Não há nada mais nefasto à saúde humana (corporal, mental e espiritual) que a supressão da liberdade de pensar e de sentir. Quando a criança está aprendendo a elaborar seus sonhos, a escola vem com uma metralhadora, disparando análise sintática, orbitais logaritmos! Mas quanto desse conhecimento utilizamos fora da sala de aula? Fico imaginando que espécie de homem foi capaz de criar a regra que diferencia um hiato de um ditongo!
Para a escola, o ser humano é feito de um cérebro vivo e um corpo morto. Quando se fala de educação sexual, toma-se o cuidado de explicar aos pequenos os nomes científicos dos genitais — já que os apelidos desses órgãos, como os garotos os conhecem cotidianamente, é besteira, para não dizer pecado (e lá vem novamente a Igreja para estragar tudo). Também se fala sobre a prevenção de doenças, as funções reprodutoras, mas ninguém comenta ou discute com a gurizada o prazer — ou o desprazer — do ato sexual. Qual revolucionário mestre um dia terá a coragem de pronunciar o verbo gozar em sala de aula? Mas ele teria de se ver com a diretoria, então, é melhor que fique quieto. A diretoria só aprova se falar de sofrimento, pois está previsto no Livro Sagrado.
Há muito tempo sabemos que a função sexual, quando reprimida, leva a grandes desastres pessoais. E ninguém ignora que pessoas de doze anos em diante estão muito mais interessadas nos lábios, nos cabelos e nas pernas da(o)s colegas que na resolução dos enigmas matemáticos. A verdade está aí, diante dos nossos olhos, mas preferimos escondê-la sob o manto do pudor e a religiosidade.
Apesar dos corpos à mostra, da imensidão de seios, bundas e outras maravilhas que podemos encontrar num simples abrir de windows, nossos tabus crescem mais do que repolhos. Preocupada com o inevitável pendor humano a extremar-se nesse campo onde se mistura o prazer, a dor, o desespero e até a morte, a sociedade organizada legou às escolas a responsabilidade de explicar aos jovens como funciona, naquelas tediosas aulas de educação sexual — as quais, se não me engano, foram coerentemente devolvidas à gaveta de projetos na primeira oportunidade.

Não há nada mais inútil numa escola que professores estressados, tentando vencer o currículo programático ditado pelo governo. Grande parte desses profissionais seriam corretamente substituídos por psicólogos capazes de ter com os alunos uma conversa franca sobre suas carências e seus desejos mais profundos, aquilo que realmente importa para pessoas que têm entre doze e dezoito anos. Alguns outros profissionais, versados em Ciências, poderiam ser utilizados, não para repassar aquelas fórmulas e teorias que os alunos esquecem tão logo abandonam a sala, mas para mostrar a beleza e o mistério manifestado nos mínimos fenômenos naturais, como o desenvolvimento de uma semente e a explosão de uma estrela.
Transformamos em banalidades as maravilhas que ocorrem debaixo de nossos narizes e a escola confirma: as experiências adquiridas pelos alunos fora dos muros da instituição não possuem qualquer valor, pois não podem ser enquadradas em fórmulas e não estão incluídas no currículo programático. Uma semente de feijão, fosca, marrom e sem graça, escondida na terra, converter-se numa inflorescência espontânea, colorida e vibrante, pede algo mais que uma mera explicação de como se reproduzem as dicotiledôneas. Mas qual professor fala da poesia desse fenômeno extraordinário? Um corpo de tetas, brotado de outros corpos, assumindo individualidade e caminhando-se para saciar os estímulos provocados por outros corpos, é muito mais do que explicam os livros de fisiologia médica.
Escolas que pretendam formar boas consciências devem atentar para o que destaca um cidadão de fato de um robô. A matemática, a química e a física não criaram pessoas melhores. Proporcionam conforto material, mas atulharam nossas mentes com imagens febris e ruídos ensurdecedores.

As grandes vítimas das nossas omissões, como sempre, são os mais fracos, os jovens. E mais recentemente, as crianças, que também sentem o bombardeio. Não conversamos de verdade com eles, porque perdemos o contato. O tecido social torna-se cada vez mais amarrado nos velhos dogmas, mostrando rupturas aparentes para satisfazer os mais inquietos, mas tramando nas profundezas contra qualquer manifestação de luminosidade fora dos arquétipos do mercado. A leitura espontânea, a percepção poética, a descoberta do maravilhoso nas coisas simples, têm feito equilibrar o gráfico da nossa humanidade, enquanto o programa escolar o empurra para baixo.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

SHOW E FRUSTRAÇÃO

A Ciência, como a Religião, é pródiga na produção de shows. Cada vez que descobre uma nova característica da matéria o homem se põe a explorá-la e termina por criar mais um espetáculo. A platéia vê nessas demonstrações de conhecimento um poder extraordinário — pelo menos nos primeiros instantes, enquanto as luzes do novo número não são ofuscadas por outras. Mas no decorrer das décadas, com um volume de experiências cada vez mais notáveis, o homem vem constatando que apesar das possibilidades infinitas de criação, o seu nível de satisfação já está se limitando pelas bordas. Ele já não se satisfaz com as aventuras terrenas, quer avançar para além da órbita do Sol. Mas o ciclo da vida do homem foi previsto para ocorrer na Terra, e parece improvável que ele saia deste planeta para expandir suas fronteiras. E mesmo que alcance Marte, Vênus ou outro sistema solar, terá expandido seu nível de satisfação?
O infinito mora em nós, mas Ciência já mostrou que não sabe como atingi-lo. Em algum momento pegamos a estrada errada e demos com o muro. Apesar de todos os espetáculos, nossas criações são pífias, não nos atingem mais no âmago, não produzem o gozo do ser. Observemos uma imagem holográfica, num desses shows em que uma pessoa filmada em Tóquio parece materializar-se instantaneamente num anfiteatro de Londres. Levamos milênios para criar esse truque, e agora? Há um instante de estupefação, a platéia delira e aplaude, mas depois vem o tédio. Devemos acreditar que é assim que prosseguiremos? De show em show, até o limite de nossos nervos?! Ou há na escrita de nossos genes uma possibilidade maior, uma felicidade real e duradoura?

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

SABOR E FORMA

Quando os 50 anos caem sobre a nossa cabeça feito tijolos de uma construção e percebemos que ainda estamos vivos, não há mais motivos para preservar as papas na língua. Tem uns assuntos que eu queria discutir aqui, mas eram espinhosos, e eu temia ferir sensibilidades. Entretanto, como vejo tanta gente dizendo coisas sem fundamento, as minhas certamente não farão transbordar o cálice das tolices mundanas.
O que mais vejo na internet são homens falando de carros, pescarias e caçadas, e mulheres falando de emagrecimento, boa forma, academia, ginástica, salão, cintura, cabelos, botas, batons, chinelos e blusas. Raramente vi pessoas falando do sabor que são capazes de transmitir e de conceder. Conhecem milimetricamente as linhas da sua silhueta, mas parecem não saber nada sobre o gosto do seu beijo, a doçura ou a acidez da sua pele, o cheiro dos seus cabelos. E outras tantas coisas que ainda não se fala nas páginas de um site familiar.
Nunca fui o conquistador que gostaria de ser. Eu nunca soube fazer a coisa certa para me aproximar, e muito menos dizer a coisa certa para encantar uma mulher. Quando atei relacionamentos foi porque elas, por motivos que ignoro, chegaram perto, insinuaram-se e me encantaram. E elas me mostraram um fato surpreendente, que nunca vi em nenhum livro e em nenhuma revista feminina: nem sempre as mulheres com os corpos mais bem desenhados são as mais saborosas. Pelo contrário, tem muita gata malhada por aí com aroma de desodorante Avon. Mulheres esguias que não sabem mexer com a cintura. Deusas da beleza sem iniciativa. Misses cujos beijos são frios, cujos abraços não confortam. Belas que não sabem falar de outra coisa além de novela e Big Brother. Enquanto isso, algumas discretas e esquecidas garotas, cujos corpos certamente não passariam sequer na prévia para a Miss do Bairro, escondem sabores inebriantes, têm mãos delicadíssimas, sabem aconchegar um homem num abraço caloroso, recitam poesia enquanto fazem amor.
É claro que também encontramos essas qualidades raras naquela linda mulher que passa pela rua todo fim de tarde, e é bem fácil perceber que ela é densa quando mostra quanto maduro é o seu olhar!
As mulheres deveriam gastar metade do seu tempo lendo livros, em vez de revistas e internet. Certamente teriam muito mais a dizer aos seus homens, e a fazer com eles. E eles, muito mais motivos para querer ficar junto com elas.

O mundo é estranho, meus amigos! Estranho e fascinante!

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A ESCURIDÃO INTERESSA A QUEM?

Quanto menos informação, melhor. Quanto menos o povo souber, melhor. Eles sempre agem na escuridão, pois a verdade não lhes interessa. A verdade interessa ao povo, mas o que é o povo, senão um empecilho aos planos do milionário faturamento?
Quanto uma empresa desconhecida vem a Prudentópolis com o propósito de cimentar o Rio dos Patos e diz que vai criar 6 mil empregos, isso é escuridão. Nem mesmo a Itaipu Binacional tem tantos empregos! Basta ver a usina do Rickli. Tem dois empregos lá. Um do técnico, outro do funcionário que corta a grama, mais nada! Estou errado, ou dizer que vão criar 6 mil empregos é desinformação, é pilantragem? Dizem que vão criar um museu ao lado das novas represas. Para qual público? Dizem que turistas virão de cidades distantes para conhecer as represas. Que será construída uma escola de informática próximo às represas! E outros grandes milagres, como, por exemplo: a água que sairá das turbinas será mais limpa que a que corre pelo leito do rio! Como será isso? Ao passar pelas turbinas a usina jogará detergente na água? Quantas maravilhas!
No grandioso estudo científico que fizeram e divulgaram, os cientistas contratados por essa empresa constataram que não tem sinais de agrotóxicos no Rio dos Patos! O rio passa por mais de 40 Km de lavouras de soja e fumo e não tem agrotóxicos?!?!?! Isso tudo é escuridão, é querer esconder a verdade para tirar proveito de um dos nossos mais belos recantos naturais, o cânion do Rio dos Patos. É um local pouco conhecido e inexplorado, mas nem por isso devemos abandoná-lo aos cuidados dessas pessoas. É um local paradisíaco, um verdadeiro santuário, que tem em seus paredões mais de 7 cachoeiras com alturas que variam entre 50 e 100 metros. Se bem trabalhado, com a construção de trilhas ligando as cachoeiras, o cânion do Rio dos Patos sozinho pode alavancar o turismo em Prudentópolis. Se deixarmos construir as barragens, todo o cenário natural será maculado e não causará interesse a nenhum turista.
O proponente diz que serão investidos R$ 75 milhões no projeto das usinas. Ele é dono de um posto de gasolina. De onde vai tirar todos esses milhões? Pressionado, confessou que nunca construiu usina nenhuma. Quer usar Prudentópolis como cobaia para seus investimentos, e para isso vem com a mentira de que vai criar 6 mil empregos!
Chega de escuridão, chega de silêncio. Precisamos gritar contra todas essas mentiras! Mas a prefeitura não se manifesta. Os vereadores se calam! Quem vai se levantar e lutar por este município?

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O CÍRCULO DO PODER E A MORTE DOS CONCEITOS

Quando me restarem somente os ossos, 
e uma suposta consciência vagante por esses milharais, 
sobreviverão as formas exuberantes 
das frutas que me compuseram. 

Apesar de toda a correria em busca de produtos que satisfaçam a esta ou àquela fantasia de consumo, precisamos atentar para o verdadeiro objeto de procura dos seres humanos, em qualquer época, em qualquer civilização: a identidade pessoal. Estamos sempre querendo expressar o que somos, seja pelas nossas obras, seja pelas dos outros. 
Numa festa de aniversário há sempre um falador tentado mostrar a maravilha que ele é, com suas próprias palavras ou com expressões emprestadas de revistas e novelas. Uma dona de casa pode fazer de conta que tudo que quer é ver os filhos crescerem com saúde, e que o marido esteja sempre por perto. Mas se a deixarmos fazer o que realmente quer, certamente buscará experiências através das quais possa expressar o que ela é.
Desejamos possuir um caro vaso cerâmico, ricamente trabalhado por antigas civilizações. Isso talvez possa parecer um capricho burguês, mas o consumidor desse vaso está apenas buscando mostrar a si mesmo, ou a outrem, a sua identidade com a sabedoria milenar contida nesse objeto. Ou apenas está extasiado com aquela beleza, que em última análise reflete um extrato de beleza do observador, e que em alguns instantes o identifica como tal: um belo ser. Se o milionário adquire um Renoir, talvez queira mostrar ao mundo sua capacidade aquisitiva. Mas nenhum elogio de seus pares será tão compensador quanto ter em sua sala uma fração do espírito de um gênio da pintura, que de alguma forma estaria impregnando a identidade de seu proprietário atual.
A procura de identidade torna-se cada vez mais frenética, apressada e perigosa. Como os cães que farejam a fêmea no cio e não medem os perigos que a cercam, os buscadores de identidade raramente percebem as armadilhas em seu caminho.
Em cada peça publicitária há um apelo à identidade do provável consumidor. Os instrumentos de mídia põem-nos cada vez mais parecidos com algum modelo de pai, mãe, amante, milionário, esportista, artista, rebelde, inteligente, arrojado, independente, etc. Moderno é expressar o “ser” dentro dos padrões criados em algum escritório de publicidade de Nova York ou de São Paulo. Se você não usa celular, se não tem página no Facebook, se não toma uma atitude “agressiva” perante o mercado “cada vez mais competitivo”, se não tem cartão de crédito, se não usa aquelas expressões americanas que nos tornam tão chiques e sofisticados, você está fora do cenário. Por outro lado, estará livre para montar o seu próprio circo, tocar a sua própria música, criar os seus próprios conceit... não, por favor, não crie conceitos! É a palavra mais batida e surrada pela mídia. Como “qualidade de vida” — expressão permanente no bafo dos bons e dos maus políticos — “conceito” também é algo que não significa absolutamente nada.
Aqui por perto ouço muita gente falando em desgraças e catástrofes — apesar da magia dos celulares, da TV de plasma, dos conceitos e do design! Meus amigos intelectuais, vencidos pela inércia, concluíram que todas as revoluções são inúteis, porque o Sol há de se apagar e, com ele, todos os traços da nossa civilização. Pensam na morte e só falam cinzas. Mas continuo respirando o céu azul e dizendo “arco-íris”, “esperança”, “generosidade”. E mesmo que eu não queira e não aceite uma vida mais longa que as cinco ou seis décadas a mim concedidas, pressinto nos ares as brisas da ressurreição.
Se olharmos a rosa, que rompe da escuridão para dar-se nuns poucos dias, tão plena, tão certa, para depois ser esquecida pela eternidade... 
A humanidade que sou, e que somos, um dia sairá destas profundezas, florescerá, e o Sol que se apague, que o mundo nos esqueça... que tenhamos aberto a possibilidade de um mundo perfeito é maior que todas as negras premonições sobre a minha dor e a minha morte.
Romper o “círculo do poder”, como dizia Dom Juan de Castañeda, talvez seja a lição mais poderosa que qualquer indivíduo pode experimentar. Colocar-se em posição que possibilite essa ruptura é a atitude temerária. Mas chegar a esse ponto significa ter passado por uma série de circunstâncias reveladoras, um caminho de buscas que levam a uma explosão de luzes e dor. A dor de trocar de pele, ou de “limpar-se das tintas com que nos pintaram” (F. Pessoa) para descobrir a madeira de que somos feitos. Muitos letrados, mestres e até doutores jamais virão a saber o que seja essa “morte da cultura” para a descoberta da humanidade real. Permanecem citando autores renomados à beira da maçã, como a bela virgem que não teve a coragem de dar o primeiro bocado e abandonar o paraíso da ignorância.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

OS MILAGRES DO USINEIRO

Em reunião nesta manhã, na Câmara de Prudentópolis, no desespero de tentar mostrar o quanto sua empresa Enerbios é magnânima, muito interessada no progresso dese município e no bem-estar da nossa gente, o usineiro prometeu construir um museu junto às 3 usinas que pretende construir no Rio dos Patos, logo abaixo do salto Rio Branco! Você acredita nisso? Disse que as usinas vão gerar mais de 5 mil empregos, sendo uns 700 diretos. Ora, na usina do Rickli, no Manduri, tem dois (2) funcionários: um que corta o capim, outro que cuida das máquinas. Por que as usinas da Enerbios teriam trezentas vezes mais funcionários que a do Rickli? O usineiro admitiu que é dono de um posto de gasolina em Curitiba e que a Enerbios nunca construiu empresa nenhuma. Isto é, quer usar Prudentópolis como cobaia! Quando perguntei quanto a empresa vai lucrar com o empreendimento, o usineiro se esquivou e não respondeu. No "sério" Estudo de Impacto Ambiental, produzido, segundo ele, em parceria com a Universidade Federal do Paraná, constatou-se que o Rio dos Patos não tem contaminação por agrotóxicos. Que estudo sériíssimo, senhor usineiro! Todos os prudentopolitanos sabem que nosso rio atravessa mais de 40 Km de lavouras de soja e fumo, e que os carás já estão nascendo com orelhas e os bagres sem bigodes por causa do veneno. Nosso povo precisa rebater esses discursos furados, pois isso tem a ver com o futuro do nosso município. As usinas propostas pela Enerbios vão beneficiar meia dúzia de pessoas, mas o Rio dos Patos é dos prudentopolitanos e de toda a Nação Brasileira. Não podemos admitir que esses caras venham aqui e façam como bem entendem, destruindo nosso patrimônio natural em cima do nosso silêncio! Precisamos, urgente, fazer um estudo amplo e realmente científico para definir o que queremos para o nosso município! Essas usinas vêm na contramão do trabalho que vem sendo feito há mais de vinte anos para a divulgação de Prudentópolis como município turístico. Esse setor ainda caminha devagar, mas não é por isso que devemos entregar nosso outro em troca de brinquedinhos de lata!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A MORTE É CONSELHEIRA

O artigo intitulava-se “A morte é conselheira”, e tratava de algumas variações sobre o tema específico da morte para uma série de reflexões sobre a vida e sua evolução. O editor do jornal fez uma escolha adequada: publicou o texto integral, porém mudou o título — que eu havia emprestado de um capítulo do livro “Viagem a Ixtlan”, de Castañeda. Concordei, pois a publicação de um título desses, na segunda página de um jornal de uma cidade do interior, poderia causar incômodo.
Não se fale da morte, portanto, embora ela esteja viva e presente em quase todas as conversas entre pessoas com mais de quarenta anos, em todos os dramas cinematográficos americanos, em todos os noticiários e em todos os discursos dos pastores de plantão. Mas ninguém parece interessado em conversar sobre o milagre da morte, como o chamavam os personagens daquele belo filme “A estranha família de Antonia”.
Por enquanto, até onde sabemos eu e Vinícius de Moraes, nenhum ser humano foi capaz de fugir dela — com algumas exceções, sobre as quais os pastores religiosos estão mais qualificados do que eu para falar.
O meu sossego veio aos 25 anos, quando li “Todos os Homens São Mortais”, escrito em 1946 pela francesa Simone de Beauvoir. Ela mostra que a imortalidade é um fardo demasiado árduo para se carregar além do tempo que foi dado a uma vida natural. Morrer não é apenas um fato inevitável, é um dom e uma recompensa.
O protagonista, Conde Fosca, era um guerreiro no auge de sua juventude. Vivia na Itália, lá pelos anos 1.300. Numa ocasião encontrou uma garrafa, destampou-a, tomou o líquido que ela continha e, sem maiores explicações da autora, tornou-se imortal. Daquele momento em diante todos os ferimentos que Fosca recebia nas batalhas, por mais profundos que fossem, logo cicatrizavam. Quando lhe cortavam o pescoço ou feriam seu coração, Conde Fosca chegava a perder os sentidos, mas logo estava em pé. No início ficou espantado com esses acontecimentos incríveis. Mas logo tornou-se confiante, lançando-se aos maiores perigos para garantir a vitória de seus exércitos. Num intervalo entre as batalhas, apaixonou-se por uma mulher e constituiu família. Depois de alguns anos, viu sua esposa envelhecer e morrer. E o mesmo aconteceu com seus filhos e todos os seus amigos. Fosca peregrinou pela Europa derrubando ditaduras, e novas pessoas entraram em sua vida. Apaixonou-se outras vezes, formou novas famílias. Mas os anos passavam, e o guerreiro permanecia com a pele viva de sua juventude, seus braços e pernas não perdiam a vitalidade. Porém as esposas, filhos e amigos, vendo-se envelhecer inexoravelmente enquanto ele permanecia jovem, ficavam tristes, infelizes e, por fim, desesperados. Por que somente Fosca podia continuar vivo? Por que somente ele podia vencer o tempo? Por que Deus não lhes dava a oportunidade de continuar vivos e fortes? Apesar de todas as suas queixas, os anos corriam, e a vida se evadia daqueles corpos. Para Fosca eram cenas cada vez mais insuportáveis. Tornou-se empresário de sucesso, mas sentia-se infeliz com o desaparecimento contínuo e inevitável de seus afetos. Pensando em dar um fim à própria vida, golpeou-se com a espada, mas não morreu. Alguns anos depois deu-se um tiro na cabeça, continuou vivo, pulou sobre um precipício, mas no instante seguinte estava novamente inteiro. No final do século XIX Conde Fosca deitou-se no chão de uma floresta, decidido a nunca mais se mover dali. A terra haveria de absorvê-lo, como absorvia a todas as coisas vivas. Dormiu, mas acordou 60 anos depois, coberto de terra e folhas. Levantou-se, chacoalhou-se e seguiu para enfrentar mais um dia da sua imortalidade. Segundo Beauvoir, ele ainda habita entre nós!
Você pode imaginar um homem mais infeliz do que esse? E que destino atroz! Não poder morrer, não conseguir descansar jamais!
Que não se enganem os homens, quando pensam na morte: não há nada de errado com ela. Como dizia o monge francês Teilhard de Chardin, “se a morte só tivesse aspectos negativos, seria um fenômeno impraticável”


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

FALTA DE FÉ

A dificuldade maior na conversa com certos religiosos está no fato de acreditarem que não são nada sem a sua fé. Com este conceito estabeleceram os limites até onde podem ir, sem resvalar para o fosso do inferno. Visitar prostitutas, trair a esposa, falar mal do marido, amaldiçoar o vizinho, roubar na balança, corromper o prefeito, roubar comida de crianças desnutridas através de licitações fraudulentas, tudo isso está dentro dos limites admissíveis, nos quais o fiel sabe que, por um conveniente arrependimento ao fim da jornada poderá regatear um ingresso aos céus. Mas admitir sua falta de fé, jamais. O rito da palavra, afirmada em altos brados diante de outros fiéis, abre os caminhos da sua santidade.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

PROVIDÊNCIAS

Deus estava de saco cheio das nossas vaidades e convocou sua legião de anjos para acabar com a bagunça. Eles desceram das nuvens com ordens expressas:

1 – A partir de agora as mulheres deverão mostrar seus rostos verdadeiros, mesmo nas ocasiões mais opulentas, em que preferem apresentar-se com uma grossa camada de pancaque no rosto, cílios postiços e cabelos alisados. Parágrafo único: quero cabelos naturais, sejam eles lisos, encaracolados ou enrolados. Fiz belos todos os cabelos. A indústria da moda disse que são feios para vender chapinha.
2 – Os homens devem abandonar definitivamente a mania de contar vantagem sobre tudo o que são e o que fazem e de destruir com gozações o sucesso alheio.
3 – Os representantes de Deus na Terra terão de andar como andou Jesus Cristo, em trajes simples, com sandálias de couro, alimentando-se de aldeia em aldeia com as dádivas oferecidas a cada dia pelos fiéis.

Não deu certo.

1 – As mulheres estavam numa onda violenta de experimentações, sentindo-se superpoderosas com a maquinaria gigantesca proporcionada pelas novas tecnologias. TV, celular, notebook, corpão, cartão, salão, carrão! Quando os anjos apareceram elas perguntaram se eles usavam sunga ou samba canção. Desestabilizados, os querubins retornaram aos céus para pedir novas instruções sobre os procedimentos.
2 – Os homens olharam os anjos com um misto de descrédito e horror. Como eram seres delicados, vestidos de túnicas coloridas em tons claros, foram considerados gays e apedrejados.
3 – Diante da contingência de abandonar seus luxuosos palacetes, cancelar banquetes, viagens internacionais e suntuosas homenagens públicas, os religiosos acharam conveniente dizer ao povo que os anjos eram mensageiros do Diabo.


E tudo ficou como estava. Deus continua lá no céu, pensando o que fazer com seus filhos adolescentes.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

NOMES

No mundo moderno-e-ainda-machista a flor é um objeto essencialmente feminino. Homem que fala em flor corre perigo. Deve ter passado pro lado de lá! Como sabemos que isso é conversa de criança mal crescida, falemos das flores à vontade.
Estive hoje à tarde olhando para uma delas. Colhi uma muda num terreno baldio meses atrás, plantei e agora ela está soltando umas pétalas estranhas, bonitas, cor salmão. Perguntei-me qual seria o nome dessa planta, e logo me dei conta da tolice. Por que ela teria de ter um nome? Porque ela precisa dele, ou porque as pessoas têm essa compulsão de botar nome em toda novidade que descobrem sobre a superfície da Terra? A rosa não sabe que é rosa, o canário não sabe que é canário, a montanha tampouco sabe que é montanha. Só os os homens sabem. Mas o que é que os homens sabem? Não sabem nem mesmo porque saem feito alucinados nomeando coisas que nunca pediram para ter um nome...

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

SAL COM GORDURA

Mega-lanchonete à beira da estrada tem contrato não oficial com alguns motoristas de ônibus, que ali estacionam em todas as viagens. Além de um grande estoque de inutilidades domésticas, o estabelecimento mantém uma bem fornida vitrine de “salgados”, onde fumegam, no mesmo vapor nauseabundo, o pastel frito, a esfiha, a pizza, o bolinho de carne, o quibe, a coxinha, a coxa de frango frita, o espetinho e outras iguarias com idêntico teor de gordura, sal, radicais livres e substâncias cancerígenas em geral.
Numa vitrine ao lado estão bolos, tortas, suflês, pudins, quindins, marias-moles, musses, pavês, gelatinas, suspiros, queijadinhas e todas as maravilhas açucaradas e engordurantes da boa confeitaria.
No balcão, café com leite, mas nenhum sabor de chá ou suco de frutas. Se o freguês pede vitamina, vem uma batida de frutas congeladas desde o verão de 1987. E se não pedir com pouco açúcar, a moça mau-humorada, obrigada a trabalhar de madrugada, tasca logo duas colheradas.
Mas você tem a opção de alimentos mais saudáveis num balcão lateral. Salgadinhos feitos de sola de sapato e orelha de lobisomem recobertos de corantes e temperos, biscoitos açucarados, bolachas enfeitadas com desenhos de chantili, bolachas recheadas com veneno de rato, pacotes de chocolates e gomas saturadas de cores de photoshop.
Encostados à parede, dois refrigeradores, atulhados de refrigerantes e cervejas. E nos balcões espalhados pelo grande salão das inutilidades, belas cestas com pés de moleques, maçãs do amor, cocadas, paçoquinhas e pirulitos.
Nenhuma pamonha, nenhum bolo de legumes, nenhuma salada de frutas, nenhuma batata assada, nenhum mingau de aveia, nenhum chá de hortelã para curar o ataque provocado por todas aquelas maravilhas culinárias.
Por que as pessoas continuam comendo as porcarias que as envenenam e matam? Não deve ser por ignorância, as informações sobre alimentos saudáveis aparecem diariamente na TV. O que faz as pessoas comerem gordura frita é a compulsão, ou uma ordem falsa que dão a si mesmas: vou comer somente hoje, que estou de viagem!
Mas quem nasceu magro e quer morrer sem uma gota de gordura, como é o caso deste escriba – apesar de todos os chatos que diariamente vêm dizer “nossa, como você ta magro! Ta doente?” – enfim, quem gosta de morrer de velho prefere manter a linha.
– Moça, vê pra mim uma água de côco.
– Estamos em falta, senhor.
– Então, um suco de maracujá.
– Serve de polpa?
– Tudo bem, pode ser de polpa, mas veja o prazo de validade.
– Não tem prazo de validade, senhor.
– E como posso saber se não está vencido?
– É que a umidade do freezer faz sumir os números. Mas o caminhão entregou semana passada, é tudo fresco.
– Eu não posso esperar dar dor de barriga pra saber se a polpa estava estragada. Me faça um suco de laranja.
– Só tem de garrafinha, senhor. Pode pegar ali no refrigerador.
– É natural?

– Não, mas é bom que não estraga, né?

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014


O FIM DOS MITOS

A necessidade constante de desmistificação, praticada por filósofos e artistas, e particularmente pelos poetas, é por si só a confirmação de que a cultura ocidental construiu-se baseada na mentira. Os agentes propagadores dessa cultura continuam mentindo, pois ocupam posições confortáveis e não desejam ser desalojados. Mas apesar da estagnação do espírito numa era de senhores e de escravos, no espaço exterior à cultura humana a verdade impera. Nos mínimos locais onde a natureza se manifesta, seja no espaço restrito de um quintal, numa extensa galáxia ou na área microscópica de um sistema molecular, perceberemos uma vontade resoluta correndo para a realização da verdade. Ao perscrutar suas próprias vísceras, o homem, inventor de todas as mentiras, pode contestar as verdades que a natureza expõe, mas não pode destruí-las. Nós estamos constantemente tramando pra tornar nossa vida medíocre, mesquinha, mentirosa e doente, enquanto a natureza realiza em nossos corpos o impressionante e o maravilhoso. Inclusive o envelhecimento e a morte, que estão entre os fenômenos mais fabulosos criados pela natureza. Para os padrões que criamos, entretanto, estas são coisas pavorosas!