Nietzsche, Baudelaire e outros pensadores europeus trouxeram ao Ocidente a noção oriental de que o saber estende-se para além da lógica européia. Causaram espanto e mal-estar, porque é sobre a “lógica” e a “objetividade” que ergueram-se todos os impérios europeus, desde suas construções jurídicas até suas cidades salomônicas. Ao beber daquela nova fonte muitos encheram-se de júbilo. Jack Kerouac, John Steinbeck, Hermann Hesse e outros escritores mostraram a vida dos homens errantes, que davam as costas ao processo de acumulação de bens e capitais para viver a liberdade. Havia algo maior para se fazer, além de prédios e códigos de conduta. Encantados com aquelas leituras, muitos jovens renunciaram ao seu conforto e regalias para entrar nessa aventura do desapego. Os beatniks foram fruto dessa busca pela alma. Queriam mostrar que a borboleta estava abandonando o casulo. E a humanidade teve a oportunidade de ver estampada nos rostos, nos gestos e nos corpos daquelas pessoas a sua porção colorida e lúdica. Era a alma do mundo que aflorava, em toda a sua exuberância! Nossa alma era pintada de um matiz intenso, era livre e generosa. Por que foi que tornamos a escondê-la?
Nossa alma ainda mantém seu estado de pureza inicial. Cada criança que surge está plena daquela beleza primitiva. Mas o capital soube incorporar aqueles anseios legítimos aos seus propósitos de expansão, apresentando nas vitrines as mesmas roupas e artefatos representativos daquela liberdade, porém mais sofisticados e atraentes. Sapatos, camisetas, motocicletas e milhares de outros objetos, tingidos de cores vibrantes, foram os chamariscos para a geração hippie, e um retorno ao mundo do capital. Em breve os jovens estavam novamente enredados no processo de acumulação, onde vigora todo o egoísmo e sombras ancestrais. Aquelas pessoas naturalmente criativas e revolucionárias optaram pelo conforto e a segurança, em vez do amor e da liberdade! Apesar do colorido aparente, na cultura do agora a alma está novamente blindada em tons monocromáticos.
O capital, ao qual a Ciência dá alicerce e substância, é um constante jogo de máscaras. E a alma não pode se expandir nesse meio. Porque a alma é a essência da humanidade e de cada indivíduo, é a verdade profunda dos seres. A Bíblia está certa, quando diz que “somente a verdade vos libertará”. No mundo do capital os gestos são medidos para esconder a verdade, e expandem-se até um limite suportável, além do qual encontra-se o ridículo e o grotesco. O medo de perder a razão, de viver situações de ridículo, de parecer frágil... o medo é o que nos obriga a enterrar a alma no mais fundo dos nossos temerosos corações. A alma, a verdade do nosso ser, muitas vezes pode tornar-se dura, cruel e dolorida, mas é, enfim, a nossa verdade. Deveria ser tratada como uma jóia — lapidada, polida e mostrada — não como uma vergonha. A sociedade e suas tradições estimulam a guardar as nossas vergonhas, e sufocam violentamente a apresentação das nossas verdades.
Engana-se quem pensa que a humanidade está cada vez mais nua, ao ver todos esses corpos femininos estampados nas capas de revistas. O invólucro continua resistente, as almas permanecem presas e tímidas sob o olhar artificialmente malicioso das musas peladas. Pois o que aquela mulher da revista quer mostrar, de verdade, não são suas curvas, sua pele dourada e um caminho para suas intimidades. O que ela deseja é o amor dos homens e a admiração das mulheres. E no fundo sabe, com infelicidade, que o tipo de amor que desperta não perdurará além dos anos em que sua pele esteja firme e desejável. Se ela der uma entrevista contando o amor que necessita, talvez os tarados babões que colecionam essas revistas perderão um bocado do tesão!
A verdade permanece escondida, porque acreditamos que ela nos delata. Poucos têm a oportunidade de constatar que a verdade é a porta para a felicidade real.
Em seu livro “Minha fé”, Hermann Hesse apresenta dois jovens que se encontram por acaso numa cabine de trem, e que precisam trocar algumas palavras em função da circunstância de viajarem num mesmo ambiente. Eles resumem o diálogo a monossílabos, com receio de mostrar o que trazem de verdadeiro em suas almas. E de que forma se manifestaria uma dessas almas?
“Se (...) um desses jovens fizesse o que realmente quer e sente, estenderia a mão ao outro ou, passando-lhe a mão pelo ombro, diria talvez isto: “Deus! Que linda manhã, tudo maravilhoso e estou de férias! Não acha minha gravata bonita? Tenho maçãs na mala, você não quer uma?”.
Mas é claro que ele não fará isso. Deixará sua alma bem escondida, para que se manifeste somente numa hora extrema.
“Oh, almas tímidas!” — continua Hesse. — “Quando irão vocês aparecer? Talvez belas e amigas, numa vivência libertadora, em união com uma noiva, na luta por uma crença, em ação e sacrifício — talvez bruscas e desesperadas, numa ação apressada de impulso do coração tiranizado, dissimulado, obscurecido, numa acusação selvagem, num crime, em estado de pavor? (...) Iremos desistir, iremos acompanhar a multidão e a inércia, sempre e de novo engaiolar o pássaro, continuar a passar anéis pelo nariz?”.