quarta-feira, 24 de abril de 2013

QUARENTA VELAS DESFRALDADAS

Estas linhas estão entortando a cada dia,
mas não enganam.
Continuam me desenhando.
Arte-final de homem, você sabe,
é couro enrugado, pele descorada
e saudades di rascunho.

No quintal dos quarenta anos os pássaros ainda cantam freneticamente num céu azul. O olhar agora experiente percebe como brotam jabuticabas, jasmins surpreendentemente lilases, e me dá um remorso por não ter chegado dez anos antes, quando, assustado, adentrava os trinta.
Ainda nesta tarde, meus olhos estavam acesos como faróis no corredor dos lingeries, enquanto minha mulher se ocupava de vestidos, bolsas e outros apetrechos eróticos. Lembrei de ter-lhe dado, anos atrás, um conjunto violeta, bordadas de rendas com rosas púrpuras, e que noite romântica nos proporcionara aquele singelo fetiche!
Não me sinto iniciado em esclerose, embora uma certa tonteira invada sempre que me deparo com multidões. Não como mais carnes — exceto em molhos e panquecas inevitáveis — o que me fez descer alguns degraus na cadeia alimentar. O açúcar tornou-se levemente corrosivo, e o uísque perdeu sua natureza ritualística, restando-me dele apenas o cheiro, o fogo e a dor.
Não voltarei aos amores adolescentes, exceto pela circunstância de um aroma de bolacha ou hortelã, como sucedeu a Proust. Seria levado ao auge da colina para respirar o vento, de braço dado com uma enfermeira de pernas roliças e lábios de morango, se a lembrança materializasse o tempo em suas múltiplas estações. Os romances tinham canções, como nos filmes, e os justos viam seus sonhos tremulando na distância, nas mansões das cascavéis e outras serpentes.
Os jornais eram feitos de colunas cinzentas, traços ilegíveis cuja primeira leitura deveria fazer desmoronar todos os meus votos de amor e liberdade. Eu não admitia a existência de jornais como algo saudável, ainda que respeitasse o “papel social” dos jornalistas. Aos trinta anos, ironicamente, encontrei o primeiro emprego da minha vida como repórter de um semanário chamado O Jornal.
No ponto de ônibus, rostos macilentos com seus anseios seculares, homens e mulheres mudos aguardam o fim da tarde para descansar. Tento ver em seus olhares um brilho de esperança, mas as notícias dos últimos meses foram demasiado trágicas. A guerra deveria ficar confinada aos exércitos e seus guerreiros, jamais entrar nos lares dos homens de bem. Mas era preciso fazer a guerra, os soldados e as armas foram feitos para isso, e então os soldados ganharam a guerra, e a humanidade fechou mais um túmulo sobre seus próprios ossos.
Quando me falaram dos quarenta anos, vi rostos marcados, seriamente preocupados com questões emergenciais. Ninguém me disse que nesta idade ainda somos os garotos de oito anos, domados pelos mesmos anseios, essencialmente as mesmas criaturas inseguras e deslumbradas pelas peripécias da Natureza, somente maquiadas com uma grossa camada de respeitabilidade, gordura e preocupações.

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