Eu estava chegando à universidade, guiando o velho Gol bege da assessoria de imprensa. Na calçada encontravam-se três senhores e uma senhora, todos vestidos a caráter. Saindo do veículo, logo percebi que eram professores de outras cidades. Estavam dando curso de mestrado. Perguntavam-se quanto tempo teriam de esperar o ônibus, que os levaria ao hotel, no centro.
Como a tarde já estava vencida, tarefas cumpridas, ofereci uma carona aos letrados. Logo que dei a partida ao automóvel, o homem sentado ao meu lado virou-se e disse:
— Você está em boa companhia. Aqui só tem peso pesado. Somos todos doutores! — e soltou uma gargalhada sonora.
Não era um comentário irônico, mas uma declaração orgulhosa por sua condição. Sentia prazer, como quem devora o apetitoso momento de estar acompanhado por seus iguais, sendo todos eles poderosos. Algo parecido com o que apreciam os presidentes dos países ricos quando se reúnem para decidir os rumos do mundo. Ou com as hienas, enquanto devoram a carniça.
Limitei-me a dizer ao espetacular letrado que havia muito tempo eu desistira de ser doutor. E a partir dali seguimos em fúnebre silêncio rumo ao centro de Guarapuava. Deixei-os na frente do Atalaia Palace, onde estavam hospedados — às expensas da universidade.
Lado a lado com os atores de novelas, que costumam se autodenominar artistas — quando o verdadeiro artista é o autor da trama — os maiores orgulhos brasileiros estão dentro das universidades. Colecionam diplomas, títulos, certificados, como se essas peças, que são confeccionadas em série, fossem prêmios aos produtos de sua criatividade. Citam autores de renome — a maioria estrangeiros — suas frases, seus feitos, querendo tomar para si a glória da criação, da descoberta e da invenção. Como na velha Grécia, gastam seu tempo — destinado ao ensino e à pesquisa e comumente remunerado pelo Estado — em jogos retóricos cujo conteúdo encontra-se numa dimensão avessa aos propósitos fundamentais da universidade — qual fosse, lançar pedras de sustentação para o desenvolvimento de uma nova sociedade.
Mas o orgulho é um feitiço duradouro, e não há de se extinguir durante a nossa geração. Se os cabeças da nossa sociedade conseguem ter visão tão estreita de sua condição de indivíduos — somos todos doutores! — teremos de esperar a virada do terceiro para o quarto milênio se queremos ver uma humanidade digna do nome.
Demora muito para se chegar à condição de “doutor”, anos suficientes para que todos os sonhos estejam mortos. E quem não tem sonhos, não possui a capacidade de transformar. O que eles fazem, nesse caso, é revirar as páginas dos velhos escritos na esperança de reconstruir as antigas teorias, dando-lhes novo formato e velha essência.
A universidade deveria aposentar aqueles que já não conseguem sonhar com um mundo melhor. Mas que fazer, quando os próprios dirigentes das universidades brasileiras não acreditam em sonhos? Se há entre eles um sonhador, que apareça, e conte-nos o que anda sonhando.
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