Na floresta,
mesmo caindo de uma altura considerável, sobrevivendo ao impacto e ficando de
barriga para cima, o besouro se vira daqui, dali, estica uma perna e logo
consegue enroscar suas garras especiais num fiapo de grama, folha de árvore,
cipó, pedra, retornando à posição normal. As superfícies irregulares não deixam
perceber que o besouro, além de um péssimo voador, é um desastroso andador.
Numa superfície lisa, ao lançar um passo é capaz de se desequilibrar e rolar
novamente para a posição de costas, que não lhe permite qualquer ação, exceto
aquele nervoso lançar de pernas para todos os lados sem qualquer efeito. Ao
longo das horas, o bicho vai cansando, tornando as passadas mais lentas, até
que finalmente desiste e dorme, à espera do fim.
No último verão,
enquanto revirava os besouros da minha garagem (eram 22 ao todo), fiquei
pensando se teria de me ocupar com isso todos os dias de agora em diante. Além
de virá-los todos, teria de ficar torcendo para que, ao caminhar na direção da
saída (se eles conseguissem adivinhar onde era) não voltassem à “posição de
parto”. Teria de esperá-los todos alçarem vôo, mas estavam praticamente mortos
de cansaço pelos esforços da noite anterior (socando a vidraça, tentando entrar
na sala iluminada). Decidi então apanhar a vassoura e varrê-los direto para a
grama. Deu certo! Logo que entraram em contato com as superfícies irregulares,
mesmo os que ficaram de lado ou de costas, logo se viraram, começaram a andar
para as mais diversas direções e foram cuidar da vida.
O ser humano
não se cansa de criar dificuldades para as outras espécies. Esse orgulhoso
senhor super-criativo, elegante pós-moderno, não faz idéia de quão infeliz,
minúscula e estéril é a sua obra terrena. Construções de Gaudi, shows de Led
Zeppelin, filmes de Spielberg, museus, casas antigas restauradas! Que coisas
grandiosas, mas a Natureza continua costurando os guaçatungas com cipós de
jasmins, estruturando recantos de árvores gigantescas enfeitadas com espécies
minúsculas, microscópicos seres absolutamente integrados na vida e na morte
dizendo “sim!”, o show não acaba às cinco da madrugada, com uma puta dor de
cabeça e a garganta ardendo cigarro. O show é perene, luminoso, eterno, desde
sempre aberto com entrada franca (pois todos já estão dentro, aliás, nós somos
o dentro), com apresentações ininterruptas em todos os espaços do planeta.
Mesmo no corpo de Billy Joel cantando Piano Man, um bando de seres vivos se
multiplica e renova a flora intestinal perdida na última dose de uísque,
formando maravilhosos fractais.
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