segunda-feira, 20 de maio de 2013

PERDER PARA A FRANÇA, NUNCA MAIS!


A data é junho de 1986. O Brasil joga contra a França. Na sala de visitas da Casa do Estudante Luterano Universitário de Curitiba oitenta e sete moradores estão com os olhos grudados na tela, esperando que o Zico fure a zaga e ensaque a branquinha na rede gaulesa. O clima é tenso, o Brasil joga, mas não convence, o gol não sai, a gente xinga, o juiz rouba, a galera grita. Além do descontentamento geral com o governo Sarney, com as greves da UFPR e com o sabor do mingau do Restaurante Universitário, ainda temos que amargar essa turma de pernas de pau! Se pelo menos... Gol do Careca! Goooooool!!! do Careca!!! Brasil sil sil!!!
Depois do gol o time se amansa, começa a embolar novamente o meio de campo, o jogo azeda, não acontece nada. Telê Santana não gosta. Os torcedores novamente desanimam, esse time não presta! apesar de estar ganhando. Precisa fazer mais um pra garantir a vaga na semi-final, meu Deus do Céu!
De repente a porta se abre e aparece o octogésimo oitavo morador da casa, o nosso amigo Bronha — desculpe, leitor, o apelido do rapaz era esse, que é que eu posso fazer!? — acadêmico de engenharia civil. Vem de braço dado com uma moça loira, enxuta, bacana. Bronha está orgulhoso de sua conquista, chega fazendo espalhafato, mostrando a donzela aos colegas, que não têm tempo para olhar e apreciar a peça. A marcação da França está cerrada, o segundo gol brasileiro não sai e esse chato vem aí querendo fazer panca em cima da gente.
— Cala boca, Bronha!
Não adianta, o homem está endemoniado, não quer ficar quieto. Nunca teve parceira tão bela, e precisa fazer a corte, fazer bonito diante dela, mostrar o quanto é corajoso e irreverente. Começa a torcer para a França.
— Cala boca, seu chato!
Não adianta. O rapaz achou um modo de chamar a atenção, e tanto fala e gesticula que a moça, mostrando sensibilidade, começa a apoiar com voz de taquara rachada a torcida do seu macho. Gritam os dois em favor dos conterrâneos de Robespierre, e a cada bola furada pelos brasileiros eles gritam mais alto, e a cada passe acertado pelos gauleses eles mostram mais entusiasmo.
— Cala boca, Bronha, senão a gente bota você pra fora!
A moça ri alto, vendo que seu escolhido é diferente dos outros, e as mulheres gostam dos diferentes, arrepiam-se, entregam-se com paixão, e ali estão dois apaixonados na primeira fila, arrulhando e incomodando estes oitenta e sete agoniados. Zico erra um pênalti. O Zico!!! Errou um pênalti!!!
— Cala boca, Bronha, senão a gente joga os dois pra fora!
Aproxima-se o final da partida e nada. Mas 1 x 0 está bom, azar se o jogo não convenceu, o importante é vencer este timeco, esses jogadores sem drible, sem classe, sem estratégia, sem chute, sem passe... gooooooooooooool!!! Do Platini! para a França!!!
Luciano do Valle está chorando, Sarney está chorando, Telê Santana está fungando, Chico Buarque de Hollanda está chorando. A estátua de Napoleão ri às gargalhadas na praça de Paris, acompanhada pelo Bronha e sua favorita, que agora começam a ser olhados com olhos assassinos pelos oitenta e sete brasileiros.
Fim de jogo. Vamos aos pênaltis. Azar, fazer o quê? Agora é tudo ou nada. Nosso Júlio César erra. O chute francês vai na trave, mas rebate nas costas do goleiro Carlos e entra. Agora é a vez do Sócrates, o velho e bom Sócrates. Pra fora! O Brasil está eliminado da Copa! Eliminado!
Bronha e sua princesa estão comemorando num abraço afetuoso, quando são apanhados e levados pela multidão furiosa para fora da Casa de Estudantes. O jogo é esquecido, Fernando Venucci chora sozinho na TV, encontramos finalmente uma coisa boa com que nos divertir, todo mundo carregando nos braços o Bronha e sua esposa, vamos lá, Passeio Público com eles, vamos lá, cuidado pra não deixar cair a moça, que ela é delicada, vamos galera, agora, agora, joga ele primeiro, tchibum! agora a moça, tchibum! Pronto. Bronha e sua amada nadam felizes nas águas geladas do lago do Passeio Público, enquanto o Brasil inteiro se desmancha em lágrimas.

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