A data é junho de 1986. O Brasil joga contra a França.
Na sala de visitas da Casa do Estudante Luterano Universitário de Curitiba
oitenta e sete moradores estão com os olhos grudados na tela, esperando que o
Zico fure a zaga e ensaque a branquinha na rede gaulesa. O clima é tenso, o
Brasil joga, mas não convence, o gol não sai, a gente xinga, o juiz rouba, a
galera grita. Além do descontentamento geral com o governo Sarney, com as
greves da UFPR e com o sabor do mingau do Restaurante Universitário, ainda
temos que amargar essa turma de pernas de pau! Se pelo menos... Gol do Careca!
Goooooool!!! do Careca!!! Brasil sil sil!!!
Depois do gol o time se amansa, começa a embolar
novamente o meio de campo, o jogo azeda, não acontece nada. Telê Santana não
gosta. Os torcedores novamente desanimam, esse time não presta! apesar de estar
ganhando. Precisa fazer mais um pra garantir a vaga na semi-final, meu Deus do
Céu!
De repente a porta se abre e aparece o octogésimo
oitavo morador da casa, o nosso amigo Bronha — desculpe, leitor, o apelido do
rapaz era esse, que é que eu posso fazer!? — acadêmico de engenharia civil. Vem
de braço dado com uma moça loira, enxuta, bacana. Bronha está orgulhoso de sua
conquista, chega fazendo espalhafato, mostrando a donzela aos colegas, que não
têm tempo para olhar e apreciar a peça. A marcação da França está cerrada, o
segundo gol brasileiro não sai e esse chato vem aí querendo fazer panca em cima
da gente.
— Cala boca, Bronha!
Não adianta, o homem está endemoniado, não quer ficar
quieto. Nunca teve parceira tão bela, e precisa fazer a corte, fazer bonito
diante dela, mostrar o quanto é corajoso e irreverente. Começa a torcer para a
França.
— Cala boca, seu chato!
Não adianta. O rapaz achou um modo de chamar a
atenção, e tanto fala e gesticula que a moça, mostrando sensibilidade, começa a
apoiar com voz de taquara rachada a torcida do seu macho. Gritam os dois em
favor dos conterrâneos de Robespierre, e a cada bola furada pelos brasileiros eles
gritam mais alto, e a cada passe acertado pelos gauleses eles mostram mais
entusiasmo.
— Cala boca, Bronha, senão a gente bota você pra fora!
A moça ri alto, vendo que seu escolhido é diferente
dos outros, e as mulheres gostam dos diferentes, arrepiam-se, entregam-se com
paixão, e ali estão dois apaixonados na primeira fila, arrulhando e incomodando
estes oitenta e sete agoniados. Zico erra um pênalti. O Zico!!! Errou um
pênalti!!!
— Cala boca, Bronha, senão a gente joga os dois pra
fora!
Aproxima-se o final da partida e nada. Mas 1 x 0 está
bom, azar se o jogo não convenceu, o importante é vencer este timeco, esses
jogadores sem drible, sem classe, sem estratégia, sem chute, sem passe...
gooooooooooooool!!! Do Platini! para a França!!!
Luciano do Valle está chorando, Sarney está chorando,
Telê Santana está fungando, Chico Buarque de Hollanda está chorando. A estátua
de Napoleão ri às gargalhadas na praça de Paris, acompanhada pelo Bronha e sua
favorita, que agora começam a ser olhados com olhos assassinos pelos oitenta e
sete brasileiros.
Fim de jogo. Vamos aos pênaltis. Azar, fazer o quê?
Agora é tudo ou nada. Nosso Júlio César erra. O chute francês vai na trave, mas
rebate nas costas do goleiro Carlos e entra. Agora é a vez do Sócrates, o velho
e bom Sócrates. Pra fora! O Brasil está eliminado da Copa! Eliminado!
Bronha e sua princesa estão comemorando num abraço
afetuoso, quando são apanhados e levados pela multidão furiosa para fora da
Casa de Estudantes. O jogo é esquecido, Fernando Venucci chora sozinho na TV,
encontramos finalmente uma coisa boa com que nos divertir, todo mundo
carregando nos braços o Bronha e sua esposa, vamos lá, Passeio Público com
eles, vamos lá, cuidado pra não deixar cair a moça, que ela é delicada, vamos
galera, agora, agora, joga ele primeiro, tchibum! agora a moça, tchibum!
Pronto. Bronha e sua amada nadam felizes nas águas geladas do lago do Passeio
Público, enquanto o Brasil inteiro se desmancha em lágrimas.
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