No mundo natural, a busca do equilíbrio é constante. A água
está sempre correndo para alcançar o seu remanso definitivo. O homem, ansioso e
medroso, com medo de passar fome e frio, levanta a represa, altera a
configuração do rio, os peixes e plantas morrem. A água permanece estanque,
aprisionada, mas o tempo passa, a água vaza pela barragem e continua sua
marcha. No decorrer dos séculos, a água haverá de corroer a mais sólida barragem
de aço e cimento.
O homem põe a água no refrigerador, congela. Mas tão logo o
gelo sai da geladeira, começa o processo para retomar o equilíbrio. O gelo
derrete e em breve estará na mesma temperatura ambiente. O homem cimenta as calçadas,
asfalta as ruas, produz o desequilíbrio que resulta em enchentes, em pestes.
Para manter o desequilíbrio, que o põe num ilusório mundo de conforto, precisa renovar
periodicamente o asfalto e o cimento, pois as décadas e os séculos tratam de minar
todas as edificações, na tentativa de restabelecer o equilíbrio.
Entendi o que é desequilíbrio numa tarde, no Ginásio Alberto
de Carvalho, quando um dos filhos do mais rico da cidade deu-me um tapão nas
costas hora do recreio. E quando me voltei para ele, perguntou:
— Como é que vai a ralé lá pra cima?
Aos 13 anos eu sabia muito bem o que é “ralé”, na linguagem popular
brasileira. Mas até então a minha vida era perfeita, e embora fôssemos pobres,
como 99% da população de Prudentópolis, eu não imaginava que fazia parte da
ralé. Aquilo me encheu de tristeza, não porque me sentisse menor por ser da
ralé, mas porque um colega a quem eu sempre tratara com respeito vinha me dizer
tamanha asneira.
Naqueles tempos eu era um cara bastante simpático (onde enfiei
toda aquela simpatia, não sei), e talvez por isso minha turma de 6ª Série
escolheu-me chefe da sala. E talvez por ciúmes, o outro filho do mais rico da
cidade, que por acaso estudava comigo, veio até a minha carteira e me enfiou um
tapão no ouvido. E com força, com raiva.
Meu pai havia me ensinado a não reagir a provocações. Talvez
devido às várias brigas a que assistira, nos tempos em que ele tinha uma bodega.
Dizia-me que os briguentos são tolos, e que o tempo se encarrega de fazer
justiça.
O tempo ensinou-me, de fato, que as questões humanas
alcançam a altura das montanhas e o vazio dos grotões, mas por fim acabam se
equilibrando num vale chamado “esquecimento”. Você pode subir nas costas do seu
adversário e chicoteá-lo à vontade, mas o tempo fará você descer ao chão, e em
alguns instantes será você quem estará rastejando. Talvez a conta bancária
continue sólida, mas sabe-se lá os infernos que vivem as pessoas no interior de
suas residências!
No
decorrer dos anos e das décadas, olhando os cabelos brancos dos seus colegas de
escola, cabelos iguais aos seus, você perceberá que o tempo os trouxe ao
equilíbrio, ao vale do esquecimento. Os fatos não podem ser mudados, a ira e a
violência aconteceram, mas a raiva e o ódio desapareceram. No tempo dos cabelos
brancos, ninguém é melhor do que ninguém. É verdade que alguns ainda tentam
manter a velha disputa, mostrando o quanto são melhores que os outros, desfilando
suas máquinas possantes pelas ruas, mas já ninguém dá importância. Um velho
exibido é só um menino que envelheceu e não amadureceu.
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