Já pensou no dia em que virão lhe contar que a sua
vizinha, a Claudete, foi clonada? Talvez você leve um susto, mas logo perceberá
que o fato, em si, não é importante. A bebê Claudete terá todas as condições de
crescer e de levar uma vida normal — caso os cientistas hajam ajustado todos os
seus parafusos. Se não lhe faltar nenhuma glândula após a concepção, talvez
será mais realizada e feliz que a própria mãe/clone. Aliás, o único fato
notável é que a Claudete-Clone não terá pai. Mas qual a implicação desse
nascimento na vida das outras pessoas?
Toda a polêmica que se criou em torno dos clones é
inútil, como qualquer discussão sobre futebol. Sabemos que os cientistas não se
atêm a ler tratados sobre ética, bem como os jogadores de futebol não estão
muito preocupados com os besouros que morrem sob suas chuteiras. Se tem que
acontecer, acontecerá, e pronto. O que importa, em ambos os casos, é fazer o
gol!
Os cientistas não vêm fazendo testes com clones à toa.
Eles querem fazer clones de homens, sejam quais forem as desculpas que estejam
usando para clonar ovelhas. Se precisassem de um pedaço do rabo do Capeta para
realizar suas invenções, desceriam ao sétimo estágio do inferno, e não haveria
quem os detivesse. Sua curiosidade é ilimitada, e sua sede de glória é
infinita. Não vão parar enquanto não fizerem um clone do homem, e não adianta
os legisladores internacionais baixarem uma centena de leis desaprovando a
atitude.
Quer dizer, então, que estamos condenados? Vamos
cometer o grande pecado mortal e Deus, de um só golpe, nos fulminará a todos?!
Mesmo você, que morre de medo dos castigos do Além,
tenha calma, não se desespere. Para começar, o sujeito que fez o mundo era
muito mais esperto que o homem. Afinal de contas, foi ele quem fez o homem, e
até agora não se sabe de alguma coisa que o homem tenha feito do nada. O homem
está apenas tencionando fazer algumas cópias, ou seja, uma micharia de milagre.
Mesmo quando conseguir fabricar clones de seres humanos, estará fazendo pouco
mais que ajudar a própria Natureza em seu eterno ato de criação. Não haverá a
duplicação do que os religiosos chamam de espírito, pois espírito é algo que se
forja no decorrer da vida, que se fabrica à base de tropeços, de lágrimas e
gozo.
O homem é 1% sua carga genética. 99% é sua cultura, é
o espinho que ele enfiou no dedo quando tinha seis meses, é o tombo de cabeça
que levou no aniversário de dois anos, é o ovo de chocolate que surrupiou da
irmã aos cinco anos, é o beijo que roubou da namorada aos quinze.
Os cientistas são capazes de clonar a carne, portanto,
mas não o espírito. Se conseguirem fazer corpos sadios a partir de suas
experiências, tudo bem, o mundo não vai ruir por causa disso. Há pouco séculos,
se disséssemos que a Terra era redonda, seríamos queimados em praça pública.
Hoje, quem é capaz de falar mal das belas crianças nascidas com a ajuda da
proveta? Elas são uma realidade que já não choca ninguém.
Os clones humanos, como a Terra redonda, serão
incorporados à nossa cultura. Passarão a fazer parte da realidade e tudo bem.
Daqui a dois mil anos, talvez os homens descubram que a verdadeira beleza está
na simplicidade. E então, quem sabe, parem de tentar interferir na marcha
perfeita da Natureza. Talvez finalmente resolvam deixar ao amor a decisão de
quem deve, ou não, nascer.
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