Logo que viemos morar na cidade, minha irmã
Elisabeth Taylor apanhou-me pelo braço e me conduziu à Escola de Aplicação
Coronel José Durski, onde eu deveria cursar o 2º Ano Primário. John Lennon
acabara de dizer que “o sonho acabou”, e estávamos em plena ditadura militar.
Porém, aos olhos das crianças, a vida florescia, o sol nascia para todos e a
chuva regava todas as hortas.
A Liz namorava o Elvis Presley, que,
segundo ela, era um rapaz refinado e culto, pois cantava na igreja e havia
feito cursilho! Naquela época, os praticantes do cursilho eram celebrados como
verdadeiros santos. Mas os anos mostrariam que o bom caráter e a boa índole vêm
mais do empenho e da natureza de cada um que dos certificados conseguidos em
certas instâncias religiosas. As “aprontadas” do Elvis nos meses seguintes
deixariam a Liz com o queixo no chão — mas creio que ela não gostaria que eu
comentasse isso em público, então, vamos adiante.
No caminho para a escola, minha irmã foi
falando de um garoto chamado Paul McCartney, o Paulinho, um rapaz muito educado
e inteligente, irmão mais novo do Elvis. Com oito anos ele já tocava piano!
— Ele vai ser teu amigo — ela disse. Eu nem
sabia direito o que significava essa palavra, “amigo”, e fazia uma vaga idéia
do que seria um “piano”. Mas desde o
primeiro dia de aula fiquei observando o Paulinho, esperando que ele se
manifestasse e eu finalmente viesse a saber o que era um amigo.
A Tia Diva, nossa professora, era um doce.
Inteligente e simpática, toda aula trazia um enigma para desvendarmos, aguçando
nossa criatividade e despertando nosso desejo de conhecimento. Mas os meus
colegas eram bem esquisitos. Corriam e gritavam o tempo todo. A sorte foi
ter-me apaixonado imediatamente pela Lilibety, irmã caçula da Marilyn Monroe,
uma graça de menina, que não me deixou ficar pensando nas esquisitices dos meus
companheiros. Enquanto eles se divertiam jogando bafo e bola de gude, eu ficava
observando minha princesa em suas brincadeiras, totalmente absorvido pelo tom
avermelhado de seus lábios, que não paravam nunca de mexer.
Por razões que não cabe a mim explicar —
talvez cabe ao tempo, ao destino, a Deus ou a qualquer entidade que tenha poder
sobre o mistério da vida inocente — fui firmando uma boa amizade com o Gilberto
Gil, vulgo Beto, o sujeito mais encrenqueiro e mal-educado da turma. Morava na
periferia — a cinco quadras do centro, lá pelos lados da Vila Nova, se não me
falha a memória. Toda semana me convidava a fugir da aula para caçarmos passarinhos.
Como resultado, já no primeiro bimestre o Beto e eu fomos os únicos da classe a
tirar nota “regular” nas provas.
Até hoje tenho dificuldade em encarar o R
como boa letra, talvez devido àquele R enorme que a Tia Diva escreveu em minha
prova. Era muito estranha essa palavra. Regular! Nunca tive coragem de
perguntar seu significado, como também jamais entendi. Hoje, pensando em termos
etimológicos, quero crer que regular é um sujeito que regula bem, que é fiel às
regras, que vive dentro da normalidade. Entretanto, acima da nota regular
existia a nota bom e a nota excelente. Portanto, eu e o Beto, apesar de sermos
regulares, de estarmos dentro das regras da escola, não éramos bons, tampouco
excelentes.
Quanto ao Paulinho, em seu pedestal de inteligência e
boa-educação, o cabelinho liso sempre bem-cortado, as calças sempre na medida e
os sapatos encerados, o Paulinho brilhava. Mas para mim, jamais significou algo
especial. Ouvi falar que hoje é engenheiro químico, e isso continua não
significando nada para mim. Quanto à Lilibety, jamais consegui trocar uma única
palavra com ela, nem jamais tentei.
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