domingo, 12 de maio de 2013

O TEATRO ESSENCIAL DA IRATIENSE DENISE STOKLOS

O cenário se montava no transcorrer do dia, os personagens apresentavam-se gratuitos nas ruas de Irati. Candinho passava pela calçada da rua Munhoz da Rocha tocando pente em papel de seda, cantarolando poesias que compunha para cada um dos moradores. Uma menina atenta ouvia da janela. Na arena circense os palhaços traziam os primeiros encantos da representação teatral. No andar desastrado, nos gestos exagerados, os velhos costumes eram revirados ensejando mudanças, as misérias humanas transformadas em riso. Varela entrava em cena no Colégio Duque de Caxias, vestido com uma barrica para matar de rir a criançada, enquanto Lineu Rios mostrava seu humor irreverente em números de mágica. No cinema, Oscarito e Zé Trindade, revolucionários disfarçados, criticavam com graça o Estado patriarcal, a burguesia e suas tradições opressivas.
Pelos cenários de Irati passava a história humana, com seus desastres e espetáculos eternos. O que havia naqueles palcos da infância era mágico, urgente, magnético. Irati era o centro do mundo, para ali convergiam todos os conflitos adolescentes e suas soluções poéticas. No espírito da menina na janela germinava o Teatro Essencial. Era preciso descer à rua e enfrentar os enigmas e as delícias que a cidade oferecia, desfilar no leito dos rios e nas varandas, decifrar os livros e os poemas. A gente teve de aprender desde cedo onde estava a fronteira entre a lucidez e a insanidade, recorda Denise. O meu conforto era traduzir o mundo como ele me veio. Vontade de mexer com o que estava há muito tempo estabelecido, a exploração de um ser humano pelo outro. Me percebia fazendo teatro em casa, minha família adorava, os amigos da minha mãe pediam para ir na casa deles representar.

O CAMINHO
Filha de Jany e João Stoklos, Denise produziu suas primeiras peças teatrais num internato da cidade de Castro-PR. Depois mudou-se para Curitiba, onde a ditadura militar caçava, prendia e torturava os insatisfeitos. Começou a participar de grupos teatrais e logo escreveu sua própria peça, Círculo na lua, lama na rua, com a primeira apresentação no Teatro de Bolso, de Curitiba, em 1968. Diretores teatrais começaram a convidá-la a criar outros roteiros, então Denise passou a escrever, produzir e apresentar ao mesmo tempo. O Teatro Essencial estava florescendo, mostrando suas primeiras cores enquanto ela atuava com o anárquico Ari Pára-Raio, depois com Oraci Gemba, que fazia um teatro clássico com tintas modernas, e que lhe mostrou as bases do teatro profissional.
Concluídas as faculdades de jornalismo e ciências sociais, desatou-se da antropofagia curitibana e foi morar no Rio de Janeiro, onde conheceu Ademar Guerra fazendo teste para uma peça. Denise viajou dois anos com o grupo, Brasil afora. Estava feliz, mas queria mais, por isso foi procurar Antunes Filho, mestre de Ademar. Entrou no elenco de Bonitinha, mas ordinária, com atores consagrados, e na platéia estava em carne viva o próprio Nelson Rodrigues. Trabalhou com outros diretores consagrados, atuando como assistente numa peça com a atriz Eva Vilma, e sonoplasta numa apresentação de Regina Duarte.

MÍMICA
Em 1976 Denise partiu para Londres com seu namorado, Rubens Kignel. Estávamos cansados com a situação da ditadura. Era uma tristeza coletiva, não dava para se reunir com muitas pessoas. Após a chegada à capital inglesa, descobriu que estava grávida. Desligou-se do teatro e passou alguns anos cuidando dos filhos, Thais e Piatã.
Retornou ao teatro fazendo um curso de mímica, em Londres. Era uma forma de redescobrir as velhas atividades da infância, retomando seus conhecimentos manuais. Mas se desde o início da carreira não se resignou às regras, não seria diferente com a mímica. Inconformada com os métodos aplicados no curso, montou, dirigiu e protagonizou Denise Stoklos – One Woman Show, apresentando-se inicialmente em Londres, depois na França, com a aclamação do público.
Nessa época iniciava-se a abertura política no Brasil, então Denise e Rubens decidiram voltar para colaborar com a reconstrução do país. A frase parece demasiado lírica, mas era esse o sentimento de quem lutou, ao fim dos anos de chumbo. Na primeira peça dessa nova fase, “Elis Regina”, fazia uma interpretação corporal do que eu sentia que ela sentia ao interpretar suas músicas. Em seguida montou Maldição, com sua própria companhia, composta por 12 atores. E passou a apresentar Habeas Corpus, uma mistura de suas peças anteriores, sob coordenação de Antonio Abujamra. Em 1983 viajou por vários países da América Latina e Europa, com o monólogo Um orgasmo adulto escapa do zoológico, de Dario Fó.

ESSENCIAL
Em 1987 Denise Stoklos participava de um festival em Montevidéu, quando foi convidada por Hellen Stewart, diretora do teatro La Mama, a apresentar-se neste que é um dos maiores palcos de Nova York. Produziu e estrelou Mary Stuart, peça recebida com grande entusiasmo — com uma nota na primeira página no jornal The New York Times. O convite foi ampliado para estrear novos trabalhos todos os anos no La Mama. Em seguida vieram Hamlet in Irati e Casa. Neste número ela inicia falando em ucraniano, o idioma de seus ancestrais.
A partir de Mary Stuart, Denise lançou o Manifesto do Teatro Essencial, que tornou-se tema para teses de mestrado e doutorado em vários países. Desde então, ela percorreu o mundo, apresentando sua inusitada forma de fazer teatro — utilização de recursos mínimos externos e a expressão corporal elevada ao extremo. Entre várias encenações desse período, destacam-se Des-Medéia, 500 Anos – Fax para Colombo, Elogio, Calendário de Pedra e Olhos Recém-Nascidos. Seu trabalho foi analisado por Diana Taylor na Theater Dramma Review, revista do Massachussets Institute of Technology — considerada a mais importante publicação de teatro do planeta, o que veio conferir reconhecimento mundial ao Teatro Essencial. Em 2000 foi convidada a dar aulas na Universidade de Nova York, onde atuou durante seis meses.

JARDIM DE METEOROS
Denise Stoklos alcançou uma marca histórica para o teatro nacional, como a única brasileira a atuar em mais de 30 países. Em sua segunda visita à China, em 1993, realizou-se o Festival Denise Stoklos, com apresentações de suas peças.
Em 1994 foi aclamada a melhor atriz do festival de artes de Edimburgo, Escócia, pelo jornal inglês The Observer. Sua fotografia esteve na capa de várias publicações inglesas, após receber o prêmio Fringe First, outorgado aos 15 melhores espetáculos dentre mais de 400 de categoria internacional. Em 1995 conquistou o prêmio de melhor atriz de teatro da Associação Paulista de Críticos de Arte, por sua atuação em Des-Medéia. No mesmo ano recebeu do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, a insígnia da Ordem do Rio Branco.
Em Estocolmo, Suécia, 1993, a atriz mostrou sua versatilidade apresentando-se para uma platéia de quatro mil pessoas, no show musical Jardim de Meteoros, com canções compostas, tocadas e cantadas por ela. Em janeiro de 1997 apresentou-se no Opera House, quando foi considerada a melhor atriz do Festival de Artes da Austrália. Com certeza o Festival, e talvez o ano inteiro de 1997, não veja mais um talento simultaneamente controlado e explosivo como este (Sydney Morning Herald). É uma das mais fascinantes solo-performers que já apareceu nos palcos de Sydney nos últimos anos (The Australian).

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