terça-feira, 14 de maio de 2013

O OVO DA VERDADE


Quando é que a vida é mais verdadeira?
Quando ela está acontecendo,
ou quando alguém consegue explicá-la?

Cada sociedade é refém de suas verdades. E as verdades são sempre originárias de outras, todas eivadas de dogmas e vícios. Em função disso, muitos pensadores concluíram que o espírito humano não tem cura, e que todos os esforços por justiça, ou por um mínimo grau de sanidade coletiva, são inúteis.
Quase todos os filósofos trabalharam com o Homem Institucional, que não existe fora da esfera de poder criado pelas sociedades. Mesmo alguns que estudaram o Homem Natural, pensaram o que ele poderia compor enquadrando-se como cidadão. Inevitavelmente, tal indivíduo sempre será um selvagem corrompido, ainda que possua uma personalidade resistente.
Talvez o que deixamos de estudar, pelo menos no Ocidente, seja o Homem Selvagem, puro, real, que resiste nas entranhas do Homem Social. Os pensadores orientais e os artistas de todo o mundo trabalham com essa criatura inomeada, buscando trazê-la à realidade sensível. Mas o que vem são pedaços, extratos de um ser temerário. Há talvez uma razão absoluta nessa resistência, pois o pouco que se resgata deste “ser dentro de nós” é por nós mesmos corrompido.
Olhe os salões de arte, veja o que, nas cores e formas salientes, diz o quanto de tristeza somos. As mais doloridas expressões davam o tom das profundezas, jardins secretos onde os gênios regaram as flores do assombro, das suas coisas admiradas. Porém o marchand tem outras idéias, que tornam os quadros mais vendáveis. Empresta a eles suas próprias interpretações, corrompe as formas, derrama novas tintas. Apesar do empenho do artista, restam poucas indicações do que ele pescou dentro de si.
O Homem Selvagem é saudável como um tigre, uma corsa habitante da mata profunda. Não conhece vícios, nem estados de espírito alterados. Não mata em série, não corrompe por petróleo, não mente pela glória, não aspira poder algum. Quem teria coragem de deixar escapar das profundezas tal criatura?
Acreditamos que o “Ser Futuro” virá, repleto de sabedoria, dotado dos conhecimentos que em escala crescente lhe legamos. Mas onde ele armazenaria todo esse volume? Não seria mais correto, se este é o nosso objetivo enquanto Humanidade, buscar antes o catalisador que faça aflorar esse ser destituído de conceitos, livre como o mais livre dos falcões, belo como a mais bela das andorinhas, justo como o mais robusto dos mártires?!
Perguntas semelhantes foram feitas por muitos que quiseram esse ser pleno. Mas quem nos convencerá a abandonar os velhos vícios? Teríamos antes de aprender a não trapacear, a não ceder às pressões sociais e econômicas. Teríamos de aceitar o milagre de cada dia, o sucesso de acordar de manhã, o poder de degustar um prato de comida, a glória de assistir a um sorriso legítimo. Então veríamos, surpresos, uma nova criatura habitante de nossos corpos machucados, um novo brilho em nosso olhar decepcionado, uma nova voz em nossas bocas mesquinhas, um novo gesto de nossos braços ansiosos, uma nova escrita de nossas mãos injustas.
O Ser Futuro habita nossos corações, estremece ante o inusitado mundo fora da casca, espera, espera e envelhece na escuridão do ovo.


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