Você conhece algum pato selvagem com problemas
hormonais? Alguma vez presenciou na floresta um tigre obeso? Libélulas com
banha na cintura? Tamanduás inchados? Que eu saiba, dentre todos os animais
selvagens, o único que apresenta problemas de peso é a “anta gorda”.
A Natureza mantém as jaguatiricas num controle
rígido e eficiente, e é por isso que estão sempre saudáveis e esbeltas. A
técnica é deixá-las absolutamente à vontade, que comam, procriem,
desenvolvam-se ao seu bel prazer, até o limite permitido pelas outras espécies.
A tartaruga, aquela de carapaça esverdeada — ou mesmo a amarela com listras
marrons e outros arranjos colorais — havia tamanha certeza (do Criador) de que
ela jamais ultrapassaria o peso ideal, que veio já com uma roupagem inelástica.
Você não pode engordar, tartaruguinha, mesmo que queira (até onde eu saiba)!
Todos esses casos mostram como a natureza
preserva saudáveis seus filhos obedientes. Você jamais encontrará na floresta
uma serpente com excesso de peso, exceto naqueles dias em que ela engoliu um
boi. Os sabiás engordam, sim, no auge da temporada de caquis, ficam com as
sambiquiras amareladas, mal conseguem voar, mas não se sabe de algum deles que
tenha permanecido nesse estado por mais de umas poucas semanas.
Somente nós, que comemos a maçã proibida do
conhecimento, caímos na desgraça da barriga grande, das mãos inchadas e da
hipertensão. Os costumes que inventamos, os frutos que recriamos, as mentiras
que nos contamos, a maquinaria que nos proporcionamos, tudo isso formou uma
maçaroca em nossa cabeça, atiçou os apetites dos demônios dormentes, resultando
na espécie mais comilona jamais vista na face do planeta. Sorte das academias
de ginástica e dos doutores especialistas em neoplasias, diabetes e gordurinhas
localizadas. E também dos pastores em geral, cujos empregos são garantidos pela
recorrência de nossas más virtudes.
Os animais mais próximos a nós também padecem
dos males da nossa civilização. Veja o porco, por exemplo. Trancado no
chiqueiro, que outra alternativa lhe resta, senão comer e engordar? Para
deixá-lo ainda mais neurótico, vão lá e castram o animal, o que o põe ainda
mais desiludido, estressado e consumista. O pombo também engorda, o boi, a
galinha e o peru. Ultimamente também o búfalo, o lagarto e o furão começaram a
balofar. São animais que aos poucos vão perdendo contato com a fonte criadora,
tornando-se dependentes destes neuróticos reconstrutores do mundo que somos nós.
O “macro” dessa questão pode ser visualizado
como um mapa todo quadriculado, na fotografia do satélite, uma mancha marrom
gigantesca incrustada no tapete verde. A cidade engorda a olhos vistos,
espalha-se feito um câncer instalado no meio da floresta. O alimento vem pelas
veias das estradas, formando o SÚE — Sistema Único de Engorduramento.
Os números não mentem: em 1906 havia 50 mil
pessoas na cidade de Curitiba. A capital paranaense tinha então pouco mais de
um quilômetro de diâmetro. Em 107 anos a população pulou para mais de 2
milhões e o diâmetro seguramente ultrapassa os 20 km. Se fôssemos converter em
casas com áreas equivalentes os milhares de andares de cada prédio, a cidade
emendaria com a capital paulista. Crescendo na mesma proporção, daqui 100 Anos Curitiba terá mais de 80 milhões de pessoas.
Crescendo as cidades nessa proporção, qualquer
profeta de meia pataca pressente a catástrofe futura. Curitiba não é um grande
centro cultural, com belíssimos teatros, cinemas, shoppings, montadoras de
automóveis e gente bonita, como quer o pessoal do marketing. É uma doença
instalada no meio de uma bela floresta, e alguns políticos ainda têm a pecha de
designá-la “Capital Ecológica”. A fumaça dos escapamentos e os esgotos das ruas
centrais fazem pensar em algo “pós bomba-atômica”, ou simplesmente “pós-pum”.
Qualquer nariz sensível percebe que a cidade é uma fedentina insuportável,
exceto os narizes dos próprios curitibanos, que só respiram perfumes franceses
nas ruas de sua magnífica megalópole européia.
Mas retornemos aos eflúvios da floresta. Se você
quer receitar comportamento light, aponte os caminhos do lobo guará, sempre
magrinho e esbelto. Com exceção daquele que está preso no Jardim Zoológico, já
visivelmente adulterado.
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