quarta-feira, 22 de maio de 2013

O LARGO DE HAENDEL

Em queimadas era o sino, que ecoava longe na grande clareira do faxinal. Antes que minha mãe ordenasse, eu já estava correndo até a igreja para saber o nome do falecido. A comunidade inteira parava, mesmo quando fosse uma criança, um jovem ou um velho, para a última homenagem, talvez a única recebida, e já após o fim da vida
Na cidade, os mortos eram anunciados no serviço de auto-falante do Seu Arnaldo Klosowski. Ao cair da tarde sentava-me num tronco de imbuia, no topo da subidão do Gusto Butzka, de onde apreciava a cidade e ouvia o alto-falante melancólico do Arnaldo. Desde a praça central, ele mandava recados e músicas. As vozes de Odair José e Amado Batista faziam doer minha alma até quase o desespero. A única daquele repertório que me trazia alguma esperança era o Largo de Xerxes, de Haendel, o hino escolhido por Arnaldo para anunciar os funerais. A música que antecedia a voz do locutor não era somente triste. Era antes um mergulho sereno no oceano da morte, um canto de violinos imaculados que faziam pensar na apoteose da vida como circunstância de passagem, um instante futuro que somente Haendel poderia descortinar.
Entre meus amigos, havia um desconforto evidente sempre que o auto-falante anunciava um novo defunto. Mas a mim, os imensos espaços da juventude não deixavam projetar os sentidos para o sofrimento da família enlutada, a circunstância funesta do corte. Enquanto os violinos traduziam Haendel, meu olhar estava no horizonte, olhando as nuvens brancas do futuro, um oceano azul, claro e luminoso.

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