Meu filho Gerúndio foi chegando
em casa todo ferido. Tinha acabado de levar uma sova de seu primo Particípio,
em frente ao Superpredicado Nominal. Perguntei a ele se suas aspas haviam sido
feridas, mas ele respondeu que apenas seu subjuntivo estava doendo.
— Foi tudo culpa do Verbo de
Ligação — disse-me Gerundinho. — Está apaixonado pela Vírgula Silábica, que não
fica um parágrafo sem mostrar a todos os seus adjetivos.
— Você está falando da filha da
Regra Gramatical? E onde é que o teu primo entra nessa história?
— Ele foi o primeiro namorado da
Vírgula, bem antes do Objeto Direto, do Pronome Possessivo e do Verbo de
Ligação.
— Parece que essa tal Vírgula é
bem namoradeira.
— Acontece que desde sua primeira
frase ela é apaixonada pela Vírgula Gráfica, aquela que trabalha com a
Catacrese. Ela tem desinências para ambos os lados, faz conjunção com todos os
elementos mórficos da oração.
— Cuidado, meu filho. Não fique
fazendo essas locuções exclamativas sem conhecer melhor o parágrafo.
— A Dona Prosódia viu tudo, e ela
não mente.
— A sogra da Metonímia? Aquela
que é dona da fábrica de pronomes Ponto & Vírgula? É a maior falsa. Não sei
como é que tanta gente ainda acredita nela. Só fala através de metáforas e
superlativos.
— O fato, papai, é que a Vírgula Silábica
andou esnobando o Verbo de Ligação. Ele chorou as mágoas pro Substantivo, que
levou tudo para o Infinitivo Pessoal. Acabaram os três fazendo com que o
Particípio também tomasse as dores e saíssem os quatro pela rua em busca de um
culpado.
— E finalmente...
— Eu estava lá na frente da casa
da Análise Sintática conversando com a Conjunção Adversativa, quando eles
chegaram. O Particípio perguntou se eu tinha notícias da Vírgula Silábica.
Falei que a última vez que a vi, ela estava dependurada nos braços da Derivação
Regressiva. Ele disse que eu deveria pedir desculpas porque aquela era uma
frase declarativa contundente.
— E pelo que eu te conheço, você
conseguiu piorar ainda mais a coisa.
— Eu estava dizendo a verdade.
Falei que se a minha interjeição não o agradava, que ele procurasse uma
morfologia mais adequada para explicar o fato de que duas Vírgulas sem nenhuma
preposição conseguiram manter durante tanto tempo aquela situação adverbial sem
que a velha Regra Gramatical soubesse. Mal acabei de falar, quase fui agredido
por uma flexão do Substantivo. Esgueirei-me para o lado, mas o Particípio me
pegou em cheio com uma locução prepositiva no queixo. Aplicou-me um soco plural
e dois singulares, depois um direto composto e finalmente lascou uma sílaba
tônica no meu pronome relativo. No
desespero, tasquei um parônimo na oração concessiva dele, mas eu já estava sem
força e acabei levando um pleonasmo na ênclise. Ta doendo pra caramba.
— Quanta violência! Eles tomaram
mesmo as dores da Vírgula Silábica, hein?
— Eu nem ligo. Essas pessoas são
do grau diminutivo, vivem de sufixo em sufixo. Toda hora estão lá no bar do
Pretérito Imperfeito, pedindo penico pro Numeral Fracionário. O Substantivo,
pra você ter uma idéia, namora a Locução Adjetiva, que é vinte anos mais nova
que ele, mas é totalmente subordinado ao período composto dela. O Particípio
vive na casa do Futuro do Pretérito, quando não está lá no antro do Imperativo
Negativo. Eu, hein! Pra mim, essa gente é tudo igual ao Verbo Defectivo, gente
sem conceito, sem predicado nenhum.
— E depois da briga, alguém
aplicou uma partícula apassivadora?
— Por coincidência, as duas
Vírgulas estavam passando pelo local. Vendo a minha situação, tomaram as minhas
dores e começaram a atacar o Particípio. O Substantivo e o Infinitivo Pessoal
entraram no meio. O Agente da Passiva e a Conjunção Alternativa apareceram por
lá e tentaram apartar, mas não adiantou. No fim dessa discordância nominal, acabaram
as Vírgulas se estapeando no meio da rua. A Silábica chamou a Gráfica de
parassintética, a Gráfica acusou a Silábica de regressiva. Foi uma baixaria proverbial.
— Mas afinal, existe a
possibilidade de uma sintaxe de concordância?
— Nem verbal, nem nominal. Parece
que é fim de caso.
— Que próclise!
— Nem ligue, papai. No fundo, é tudo uma questão de inadequação lexical.
Todo mundo sabe que um amor entre vírgulas sempre acaba num ponto final.
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