segunda-feira, 6 de maio de 2013

UM AMOR ENTRE VÍRGULAS


Meu filho Gerúndio foi chegando em casa todo ferido. Tinha acabado de levar uma sova de seu primo Particípio, em frente ao Superpredicado Nominal. Perguntei a ele se suas aspas haviam sido feridas, mas ele respondeu que apenas seu subjuntivo estava doendo.
— Foi tudo culpa do Verbo de Ligação — disse-me Gerundinho. — Está apaixonado pela Vírgula Silábica, que não fica um parágrafo sem mostrar a todos os seus adjetivos.
— Você está falando da filha da Regra Gramatical? E onde é que o teu primo entra nessa história?
— Ele foi o primeiro namorado da Vírgula, bem antes do Objeto Direto, do Pronome Possessivo e do Verbo de Ligação.
— Parece que essa tal Vírgula é bem namoradeira.
— Acontece que desde sua primeira frase ela é apaixonada pela Vírgula Gráfica, aquela que trabalha com a Catacrese. Ela tem desinências para ambos os lados, faz conjunção com todos os elementos mórficos da oração.
— Cuidado, meu filho. Não fique fazendo essas locuções exclamativas sem conhecer melhor o parágrafo.
— A Dona Prosódia viu tudo, e ela não mente.
— A sogra da Metonímia? Aquela que é dona da fábrica de pronomes Ponto & Vírgula? É a maior falsa. Não sei como é que tanta gente ainda acredita nela. Só fala através de metáforas e superlativos.
— O fato, papai, é que a Vírgula Silábica andou esnobando o Verbo de Ligação. Ele chorou as mágoas pro Substantivo, que levou tudo para o Infinitivo Pessoal. Acabaram os três fazendo com que o Particípio também tomasse as dores e saíssem os quatro pela rua em busca de um culpado.
— E finalmente...
— Eu estava lá na frente da casa da Análise Sintática conversando com a Conjunção Adversativa, quando eles chegaram. O Particípio perguntou se eu tinha notícias da Vírgula Silábica. Falei que a última vez que a vi, ela estava dependurada nos braços da Derivação Regressiva. Ele disse que eu deveria pedir desculpas porque aquela era uma frase declarativa contundente.
— E pelo que eu te conheço, você conseguiu piorar ainda mais a coisa.
— Eu estava dizendo a verdade. Falei que se a minha interjeição não o agradava, que ele procurasse uma morfologia mais adequada para explicar o fato de que duas Vírgulas sem nenhuma preposição conseguiram manter durante tanto tempo aquela situação adverbial sem que a velha Regra Gramatical soubesse. Mal acabei de falar, quase fui agredido por uma flexão do Substantivo. Esgueirei-me para o lado, mas o Particípio me pegou em cheio com uma locução prepositiva no queixo. Aplicou-me um soco plural e dois singulares, depois um direto composto e finalmente lascou uma sílaba tônica no meu pronome relativo.  No desespero, tasquei um parônimo na oração concessiva dele, mas eu já estava sem força e acabei levando um pleonasmo na ênclise. Ta doendo pra caramba.
— Quanta violência! Eles tomaram mesmo as dores da Vírgula Silábica, hein?
— Eu nem ligo. Essas pessoas são do grau diminutivo, vivem de sufixo em sufixo. Toda hora estão lá no bar do Pretérito Imperfeito, pedindo penico pro Numeral Fracionário. O Substantivo, pra você ter uma idéia, namora a Locução Adjetiva, que é vinte anos mais nova que ele, mas é totalmente subordinado ao período composto dela. O Particípio vive na casa do Futuro do Pretérito, quando não está lá no antro do Imperativo Negativo. Eu, hein! Pra mim, essa gente é tudo igual ao Verbo Defectivo, gente sem conceito, sem predicado nenhum.
— E depois da briga, alguém aplicou uma partícula apassivadora?
— Por coincidência, as duas Vírgulas estavam passando pelo local. Vendo a minha situação, tomaram as minhas dores e começaram a atacar o Particípio. O Substantivo e o Infinitivo Pessoal entraram no meio. O Agente da Passiva e a Conjunção Alternativa apareceram por lá e tentaram apartar, mas não adiantou. No fim dessa discordância nominal, acabaram as Vírgulas se estapeando no meio da rua. A Silábica chamou a Gráfica de parassintética, a Gráfica acusou a Silábica de regressiva. Foi uma baixaria proverbial.
— Mas afinal, existe a possibilidade de uma sintaxe de concordância?
— Nem verbal, nem nominal. Parece que é fim de caso.
— Que próclise!
— Nem ligue, papai. No fundo, é tudo uma questão de inadequação lexical. Todo mundo sabe que um amor entre vírgulas sempre acaba num ponto final.

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